Arquivo para setembro de 2017

O benchmarking das concessões no Brasil

O Brasil é um dos poucos países do mundo onde o benchmarking dos projetos de concessão fornece um material muito rico para os interessados na discussão não apenas jurídica e institucional das operações com a parceria privada, no âmbito dos projetos de infraestrutura.

Curiosamente, é o que menos estudos têm merecido apesar do vasto track records que ele possibilita.

Afinal, a primeira exploração econômica para ocupação da então colônia brasileira, se deu sob o que se poderia chamar da Lógica da Produção Concessionada (LPC): com direito a lances de outorga direta para a exploração do pau-brasil, a fixação das outorgas indiretas sobre a produção concessionada, e a exigência de QID (ou de Service Level Agreement, SLA) cuja execução e acompanhamento deveria se fazer através do que hoje se chamaria de Auditor Externo Independente (ou o Corregedor da Metrópole Portuguesa no Brasil Colônia).

Com a independência, e durante todo o II Império, adotou-se a mesma LPC: e se multiplicaram os investimentos em infraestrutura por quase TODOS os segmento da infraestrutura econômica que até hoje constituem o acervo dos projetos mais modernos (?) de Concessão, ricos em approach legal e institucional, mas visivelmente, muito mais pobres e pouco criativos em termos de criação de Modelos de Negócios que poderiam (como naquela época) terem acrescentado mais valor e mudanças tecnológicas do que hoje se tem acrescentado.

Afora isso – notadamente agora que se descobriram (sic) mercados de concessão de bens de uso comum (como florestas, reservas e parques temáticos ou não) –, uma série de outras iniciativas em áreas extra operacionais foram então conduzidas e utilizados mecanismos acessórios ou alternativos às concessões – como as permissões e comodatos de uso oneroso ou mesmo as operações de direito real de uso de ativos do Poder Concedente, e que foram realizados naquele período, tais como a implantação do Elevador Lacerda (na Bahia, em apêndice às operações de mobilidade urbana dos primeiros bondes à força animal e depois via a eletricidade) e próprio Bondinho do Pão de Açúcar, na então capital do Império (um caso interessante foi o do Primeiro Zoológico, ainda na época anterior, da Família Real Portuguesa, iniciativa que gerou a introdução do “jogo do bicho”, geratriz das atividades lotéricas sob concessão do Estado, ainda hoje existentes).

Temos, pois, benchmarking de operações nesse campo, desde 1530 (já que as atividades se iniciaram com a exploração econômica do país): e três grande ciclos de capitais predominantes a fazer o funding dessas operações.

O primeiro deles via o ciclo de capitais diretos do exterior (com participação coadjuvante do capital nacional, via os recursos excedentes gerados com o fim do fluxo da exploração comercial dos escravos e depois como os ciclos de exportação de produto primários como o ouro, algodão e açúcar), todos alavancados por capital de risco (em aportes de dinheiros e/ou via máquinas e equipamentos no capital de empresas concessionárias).

Seguiram-se a este ciclo o ciclo de nacionalização das concessões estrangeiras (primeiro via capitais nacionais e depois via a progressiva estatização da oferta da infraestrutura estatal, via encampação ou desapropriação pelo Estado)— esta quase sempre com recursos de base fiscal proporcionados pelos Tesouros Públicos, diretamente ou através de Fundos Fiscais — e a fase atual, pós-desestatização da economia, nos anos 90, com os projetos alavancados pelo setor público via o crédito parafiscal dos bancos públicos, notadamente, e com visão do projeto segmentado e não dos Negócios articulados, tais como se davam ao final do primeiro ciclo das concessões.

Na fase atual – que no escopo de uma análise retrospectiva – seria considerada como uma fase de transição para a definição de um Modelo de Negócios que tirasse partido da rica experiência de mais de 480 anos de experiência em atividades concessionadas, uma pergunta sobrevém:

Porque as concessões sempre tiveram solução de continuidade?

Qual o traço comum das quase 500 anos da experiência brasileira, com o que ocorre hoje nas concessões de Água na França – onde se quer devolver ao Estado a função operacional e não apenas normativa das concessões de Águas – e, mesmo, nas concessões de mobilidade urbana no Brasil, onde se discute o modelo de remuneração dos contratos como setor privado, vis a vis àqueles que vigoram para as empresas estatais que tem como acionista o Poder Concedente?

A VARIÁVEL CRÍTICA nos projetos de concessão é o PREÇO que remunera as concessões!

Por óbvio que o ordenamento jurídico, a Modelagem Econômica, o equilíbrio contratual, e tudo o mais que HOJE se discute prevalecentemente nos muitos foros de discussão sobre o assunto são importantes: mas, este fatores são coadjuvantes ao PREÇO de remuneração das concessões.

As TARIFAS DAS CONCESSÕES devem sempre remunerar os investimentos feitos e a operação e o reinvestimento dos ativos formados sob concessão: e os PREÇOS DAS CONCESSÕES, por seu lado, são impactados pela situação das economias que adotaram as concessões como ferramentas complementares para os esforços de investimento direto dos governos nas áreas sob concessão.

Foi assim nos três ciclos de concessão do país: a crise financeira mundial de 1891 que foi o prenuncio da crise econômica de 1929; ou a crise fiscal dos anos 30 e dos anos 90; ou a crise fiscal atual, que impacta porque cria perda de renda disponível real, alterando o custo da operação e o faturamento, enquanto os preços relativos dos Contratos de Concessão preveem cláusulas de reajuste inflacionário (aqui, ontem (sic) e hoje, e na França), como fatores externos às situações de desemprego, preços em alta e deprivação da renda real de QUEM PAGA pelo uso dos serviços de infraestrutura ofertados pelos projetos de concessão: os usuários finais, os clientes finais da concessão.

E aí está uma grande coisa a fazer com o benchmarking das concessões nacionais: EXIGIR que o Poder Concedente faça, ele mesmo, o que EXIGE do parceiro privado na concessão: contratos de Performance (SLA ou QID) para serem observados num TERMO GERAL DE OPERAÇÃO pelos dirigentes de empresas públicas onde o capital estatal ainda prevalece; GARANTIR tarifa justa para remunerar os investimentos e a operação (subfaturar premeditadamente as tarifas para ganho de votos ou para controle artificial de inflação , redundou no sucateamento dos investimentos estrangeiros no primeiro e no segundo ciclo das concessões no Brasil, e gerou o sucateamento da operação das empresas estatais, gerando perda da manutenção e a obsolescência dos investimentos e das inovações a serem incorporados nos projetos de concessão).

O que é exógeno à operação dos ativos, deve ser tratado exógenamente à operação: assim, tarifas diferenciadas ou gratuidades OU devem ser compensadas com aumentos de capital para as empresas públicas ou privadas que passam ter receitas menores e os mesmos custos de operação, OU via compensação dos tributos por parte das empresas que concessionam as atividades sob essa modalidade operacional.

Ou seja, isonomia: menos porque é mais justo mas, porque o usuário final das concessões não pode escolher alternativas que não aquelas que o Poder Concedente lhe oferece.

Ademais, quando se subfatura tarifas (para o operador publico ou privado), além de se premeditar a desorganização dos serviços de interesse público, se dilapida o patrimônio das empresas operadoras. E, portanto, gera perdas aos acionistas (minoritários ou não) dos parceiros privados, e secorrompe o capital social de empresas públicas, cujos recursos que as constituíram têm na maior parte das vezes, origem de natureza fiscal: ou seja, são transferências de renda entre pessoas e entes econômicos e, portanto, são empresas de interesse público inequívoco.

Déficit Fiscal e Concessões: Einstein estava errado?

É atribuída ao físico Albert Einstein uma frase que por certo, não tem sido muito ouvida em Brasília: “Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”…

A constatação de que houve a frustração de quase R$ 40 bilhões na arrecadação esperada para os primeiros sete meses do ano – ironicamente (ou não…) no mesmo dia em que o governo pedia um novo limite para o teto móvel do déficit fiscal –, só enseja (mais uma) pergunta que não quer calar: poderia ser pior?

Já é muito pior: não apenas porque ainda existem mais 05 meses no ano em curso (se bem que se pode propor shiftar o calendário gregoriano…), mas, porque, boa parte do que se esperava arrecadar não depende da retomada orgânica e sustentável da economia, mas, sim, de medidas como a do REFIS 4.0, da venda das Usinas da CEMIG, do BNDES pingar (sic) R$ 100 bilhões para o Tesouro, a reoneração da Folha de Pagamentos, e daí por diante…

Sem o investimento do governo e de suas empresas estatais, sem os investimentos dos agentes privados do país e do exterior (até porque a situação de liquidez e de endividamento do empresariado privado é bastante similar ao dos agentes públicos), com a contrição de gastos correntes e ambos e dos consumidores e assalariados, e com o pagamento das despesas obrigatórias do orçamento e dos juros reais sobre o estoque de títulos públicos no mercado, a renda disponível da economia tem se contraído consistentemente.

Há surtos erráticos de melhoria de indicadores de produção, estoques ou emprego – tais como os anunciados e saudados no noticiário do final de semana – por que medidos sobre bases passadas muito pequenas e estimuladas por efeitos de duas naturezas distintas: os que não vão se repetir (como os efeitos do uso dos valores recebidos das contas inativas do FGTS) ou que podem se repetir, a depender da trajetória da própria economia, como o efeito-preço dos produtos agrícolas devido à ótima safra deste ano.

A melhoria (sic) captada é consistente com o tempo entre a geração dos fatos econômicos e seus efeitos sobre os agregados de demanda, geralmente por volta de 60 a 90 dias: assim os efeitos de agora se referem a movimentos registrados de até 03 meses atrás.

A redução dos juros nominais está longe de favorecer o consumo alavancado pelo crédito, eis que para uma inflação de 3,5% ao ano, os juros do consumo estão na faixa indecorosa de 300% ao ano!

E mesmo para o giro da dívida, o juro real ainda é de 6% ao ano, o que gera dois efeitos: um, sobre o crescimento oneroso do estoque da dívida; e, outro, sobre a distorção alocativa na economia, o que afeta a propensão a investir e tomar riscos em quaisquer investimentos (inclusive nas concessões e nas concessões sob PPP que possuem um ciclo de geração de valor mais lento).

Isto porque o juro real elevado atrai mais o rentismo estéril e parasitário numa economia que ainda está ou cambaleando ou andando de lado.

Ou seja, a recuperação alardeada ainda é pífia e pode ser espasmódica: a não ser, como sugerido por Einstein, que se tente algo diferente para obter resultados diferentes.

E aí, o governo pense em medidas de curto e médio prazo que possam reforçar a expansão da renda disponível, dos consumidores e do empresariado – e que ocupem a elevadíssima capacidade ociosa do setor produtivo.

No lado tributário, significa sinalizar a expansão futura da renda disponível (assim como criar mecanismos fora do mercado de dívidas) para estimular organicamente a ocupação da capacidade instalada (empresas) e o consumo (famílias e o mercado interindustrial e a cadeia de comércio e serviços).

Como?

Como já sustentado neste BLOGCONPPP em outras ocasiões, é importante sinalizar para uma correção integral do Imposto de Renda na Fonte, para o próximo ano fiscal: da mesma forma como antecipar que gastos básicos como Educação e Saúde (até pelos limites impostos o crescimento real desses gastos por parte do setor público), poderão, em seu conjunto, abranger limites de dedução do IRF de até 30% dos rendimentos sujeitos à tributação das pessoas físicas.

Os gastos de consumo de produtos e serviços da construção civil e de bens de consumo duráveis e a aquisição de veículos, também poderão ser deduzidos em até mais 20%, perfazendo um total de deduções de até 50% da renda tributável.

Para os ofertadores privados desses bens e serviços, o valor da carga tributária não paga pelos consumidores, será abatido do preço de lista comprovado nos últimos 24 meses, de modo a que esse diferencial tributário seja efetivamente transferido ao consumidor e não apropriado como margem do ofertador desses bens e serviços.

Com maior giro de produção e consumo demandando maiores encomendas para o setor produtivo de bens e serviços, o lucro dessas operações propiciará maior faturamento e maiores ganhos de escala e de volume deverão até ampliar a base de arrecadação, e não diminuí-la, como se pode pensar de início.

Essa demanda a termo pode ser antecipada, com base em encomendas e contratos de compra e venda que significam Antecipação de Recebíveis (AR) cujos contratos podem ser carregados por Fundos de Investimento de Direitos Creditórios (FIDC), que não se constituem em papéis de dívida para os seus emitentes (empresas), exonerando-as de endividamento e restrição de liquidez face ao elevado juro real ainda prevalecente na economia.

Do lado da realização de projetos de concessão e de concessão sob PPP, duas providências urgentes deveriam ser cogitadas.

No lado contratual, repensar os critérios de elegibilidade dos players dessas operações: as atuais exigências de liquide, solvência, endividamento e tamanho patrimonial, ainda atendem o pressuposto de que UM MESMO PLAYER será a um só tempo, o capexista, o opexista e o financiador da operação: além de inadequado pela concentração de riscos e da não segregação de funções e responsabilidades na operação, esta diretriz subverte o conceito de concessão que é, sobretudo, uma operação de prestação de serviços públicos. E, portanto, onde a capacidade de operar a concessão, não pode ser menos importante do que financiar ou formar os ativos necessários para viabilizar a prestação dos serviços a serem concessionados.

Assim, há que se ajustar a métrica do que se relevar na habilitação e na escolha dos players das concessões, até para dar chance para que Organizações do Terceiro Setor (inclusive as que não possuem fins lucrativos) e que atuam em áreas como em setores como Saúde, Educação, Gestão de ativos públicos como Parques, Museus, Reservas Florestais, entre outros, possam participar das licitações públicas, sem perder suas imunidades e isenções fiscais e tributárias.

Por outro lado, os contratos de concessão – uma vez adjudicados – são contratos geradores de legítimos efeitos comerciais, derivados do que se pode chamar de Direitos Emergentes de Concessão (DEC): portanto, geradores de um FLUXO DE DIREITOS CREDITÓRIOS que se constituem em recursos gerados pela própria atividade concessionada.

Como tal, são recebíveis que podem ser carregados em um Fundo de Investimento e Participação (no que tange os ativos a serem formados e que nunca serão maiores do que 12% a 20%a do fluxo total de valor gerado desses contratos durante todo o seu prazo pactuado) ou concomitante ou paralelamente em um Fundo de Direitos Creditórios que carregue apenas os créditos de legítimos efeitos comerciais, os DEC, resultantes da operação de concessão.

Aqui também, do ponto de vista tributário, pode-se isentar de tributação pelos primeiros 05 (cinco) a 08 (oito) anos (dependendo do tempo de maturação do investimento), os investimentos iniciais dos concessionários: os impostos devidos seriam capitalizados em devolvidos o final do prazo das concessões.

O valor bruto (sem impostos iniciais) desses investimentos teria o efeito equivalente de um multiplicador de renda, pois ensejaria encomendas e renda para uma série de fornecedores de bens e serviços que gerariam um ciclo virtuoso de renda, empregos e impostos relativos às suas atividades.

Por fim, usar como “moeda” das concessões o pagamento dos ágios e outorgas com Títulos do Tesouro Nacional por valor ao par: os interessados “pagam” com os papéis do Tesouro e o Poder Público cancela parcela de seu endividamento primário junto ao mercado de valores mobiliários: as margens abertas de endividamento não podem ser usadas para o pagamento de despesas correntes mas, sim, para a retomada qualificada das quase 5.000 obras públicas paralisadas no país, atualmente.

Estas não são sugestões heterodoxas como se poderia cogitar, equivocadamente: parte-se e uma constatação inegável que é a deprivação da renda disponível na economia (de empresas e indivíduos), e a necessidade de se criar um fluxo de renda permanente que ocupe capacidade instalada em alto nível de capacidade ociosa (no curto prazo) e que se gere investimentos e efeitos sobre a renda (de médio e longo prazo), tal como esperado nos projetos de concessão e de concessão sob PPP na área de infraestrutura.