Arquivo para junho de 2020

O foco das Concessões e PPP

O Brasil se encontra na benvinda iminência de aprovar uma importante política pública de Estado capaz de mudar uma situação vergonhosa: a inclusão social e econômica propiciada pela universalização da oferta da produção de águas e do tratamento de esgoto para todos os contingentes de sua população.

O investimento requerido para esse desafio é de certa forma irrisório (pouco mais de 7%, do PIB atual), uma vez comparado com os benefícios diretos que terá sobre a qualidade de vida da população.

Além disso, com melhores condições básicas de salubridade, geram-se efeitos indiretos sobre outros focos de políticas públicas nas áreas de saúde (pela diminuição de causas importantes da morbidade infantil, notadamente); da educação (por evitar a evasão precoce ou a incapacidade de apreender de crianças e jovens que sofrem de enfermidades trazidas pela insalubridade dos locais onde vivem); e, da economia (por reduzirem carências básicas que dificultam o aumento da produtividade da força de trabalho).

Boa parte das discussões, todavia, agora já está centrada no “dia seguinte” que se seguirá à aprovação do marco regulatório, nesta quarta-feira joanina, de 24 de junho de 2020: “de onde” virão os recursos ou “a quem” deverá caber a responsabilidade por gerar os meios para custear os projetos de infraestrutura que formarão o “pipeline” do esforço de investimento requerido.

Boa parte da questão poderia ser respondida de fosse esclarecido a “quem” caberá o esforço operacional de executar essa formidável cruzada operacional de superação dessa secular fonte de desigualdade da economia nacional: as Operadoras de Águas e Esgotos (A&E).

“Quais” são e “quantas” são as empresas – estatais nacionais ou estrangeiras – que poderão atender a este chamamento?

SIM (01): Concessões e Concessões sob PPP são eventos operacionais cujos principais atores são os Operadores das Concessões: ou seja, as empresas que por 30 anos ou mais terão responsabilidade de libertar o país da armadilha de saneamento que, como destacado, avilta indicadores de saúde, educação e de produtividade.

Quando resolveu enfrentar dilema semelhante na Inglaterra de 1979, criaram-se, com o marco regulatório pertinente, as PLC (Public Limited Companies). Estas empresas foram os veículos para captar recursos, através do mercado de capitais, sob a regulação pública e transparente das Bolsas de Valores – com regras de governança voltadas a proteger a economia popular assim como os grandes e os pequenos acionistas –, e que avaliava os riscos das PLC sob duas óticas: a capacidade operacional em “fazer e entregar” o produto final e a capacidade de uma tarifa justa (a que assegura a remuneração dos investimentos e a sua recomposição, e a operação e a manutenção das plantas operacionais no horizonte temporal da execução dos projetos), prover o pagamento ou o retorno das operações realizadas.

SIM (02): consumidores finais que queriam e demandavam águas e esgoto para uso residencial (consumidores finais residenciais de vários níveis de renda e de diferentes perfis de consumo e, portanto, com atomizado e diferenciado perfil de consumo) e consumidores finais empresariais que têm na água um insumo básico para a realização de suas atividades (no agronegócio, na indústria, no comércio de grandes shoppings, centros atacadistas e de logística, e na prestação de serviços, de hospitais a data centers e outras fontes consumo intensiva demandantes de Águas e Esgoto (A&E)).

Se as A&E locais não fossem suficientes ou capazes de realizar a função, no âmbito de um enfoque liberal verdadeiro, elas poderiam se associar ou permitir a atuação direta das grandes operadoras de A&E existentes no mundo inteiro.

SIM (03): afinal, a sustentação da OPERAÇÃO de A&E se faz pela capacidade das operadoras em realizar operações em grande escala (cobrindo várias áreas representadas pelas bacias e diversas aglomerações que poderiam se consorciar para gerar economias e externalidades na operação), sempre sob a supervisão de um grande ente supra regional representado por uma Agência Nacional de Regulação (esta de caráter estritamente público), que será a responsável pela integridade em manter e preservar o equilíbrio ambiental das fontes primárias do insumo a ser operado pelas A&E que são os rios e bacias ou o acervo hídrico de qualquer país.

SIM (04): se necessário, buscar um ajuste tarifário (acima da inflação, por tempo determinado) findo o qual, as tarifas serão equalizadas e a MATRIZ DE RISCO relevante para a operação (notadamente para os efeitos de qualidade e acessibilidade provido pela A&E) deveriam ser mantidos e avaliados sistematicamente pela Agência de Regulação.

A construção dos ativos e a dotação dos equipamentos de toda a ordem (incluindo os HW e SW de gestão operacional) deveriam ser definidos e adquiridos no mercado pelas A&E (CAPEX) assim como os seus Planos de Negócios deveriam esclarecer o perfil das pessoas e das tecnologias que seriam utilizados para manter as atividades de operação e manutenção (OPEX) durante o horizonte das concessões outorgadas.

As Operadoras de A&E seriam, pois, como foram, os principais atores-contratantes das operações assim estruturadas.

SIM (05): para as empresas hidro intensivas dos diversos setores da economia, a oferta de água e a operação de suas centrais de tratamento e pré-tratamento desse insumo – sempre atendendo normas ambientais de relevância social –, pode-se oferecer a possibilidade de subscrever as ações emitidas pelas operadoras de A&E denominadas em moeda corrente ou no equivalente em m3 de águas, visando receber seus dividendos, após a fruição das plantas, em oferta física do produto que se constitui em fator crítico de suas atividades.

SIM (06): sob a perspectiva adequada, pode haver mais oferta de recursos do que projetos bem elaborados para atender a essa já tardia política pública de Estado de que tanto se ressente a economia brasileira.

Concessões e PPP: um velho ou um novo normal?

Nos diversos painéis e webinars voltados a discutir os cenários econômicos após essa longa e trágica realidade que nos acomete, é recorrente à menção ao papel que caberá às Concessões e as Parceria Público Privadas (PPP).

As estratégias de enfrentamento tiveram de ser marcantemente reativas a uma realidade que se mostrou inevitável há pouco mais de três meses, quando diversos países já estavam passando por dificuldades jamais imaginadas em pleno século XXI, até então saudado como o século do Novo Renascimento, das inovações e de transformações plasmadas pela Internet das coisas, pela Inteligência Artificial, pela Economia 4.0 e daí por diante.

Aí, tal como ao final de Segundo Império e no advento da República Velha, nos descobrimos sem as condições mínimas para enfrentar o que podia (ou devia) ser um pressuposto àquela que já foi a 7ª economia do mundo (como foi a 4ª, no II Império): no passado como no presente, os grandes contingentes da população não têm acesso à água para lavar as mãos; esgotos para evitar a disseminação do contágio; espaço vital (habitação) para isolamento vertical ou horizontal; leitos de saúde e UTI para responder a catástrofes , guerras ou pandemias; acesso para ir e voltar ao trabalho; e por aí vai.

Sob este cenário, pessoas e instituições passarão a demandar ações públicas e privadas para evitar (ou mitigar) o quanto possível, a reversão deste quadro: este é um racional que se pode antever com elevado grau de certeza!

Mas o quadro de referência até aqui prevalecente, mudou radicalmente.

As dificuldades fiscais que começaram o seu viés de baixa a partir do segundo semestre de 2013, aprofundaram-se a partir de 2015 e já estavam bastante comprometidas em 2019, quando, com a crise sanitária, passaram a um perfil inédito: a arrecadação se reduziu em MONTANTE, em VOLUME, devido à contração das fontes de produto e renda dos agentes econômicos. As despesas corrente, todavia, mantiveram-se constantes além de contar com a contribuição dos gastos inerentes ao enfretamento da crise na saúde.

Atrasos de fornecedores, defaults de pagamentos de bancos nacionais e instituições multilaterais e mesmo (para os 183 entes federados que tinham obrigações decorrentes dos compromisso da renegociação das suas dívidas de 30 anos com o governo federal) com o Tesouro Nacional (passivamente ou através de judicialização).

O pós-crise, portanto, encontrará bastante limitada a contribuição da capacidade fiscal e financeira do Poder Concedente tal como ela tem até aqui prevalecido: ou não?

No tocante às PPP, por exemplo, tudo o que tem como referência direta ou indireta a capacidade e o lastro fiscal do Poder Concedente, deve sofrer uma severa restrição, como se pode verificar no quadro a seguir.

Começa que o limite máximo de 1,5% da Receita Corrente Líquida (RCL) para limitar o teto das operações de PPP se fará “agora” a um “quantum fiscal” rigorosamente mais baixo (já que a base fiscal encolheu em termos absolutos). Contrapartidas como o APORTE de recursos às PPP (não raro ancoradas no endividamento financeiro do Tesouro do estado ou município) estará bem mais limitado; se os limites de endividamento e os gastos previdenciários e de pessoal estarão proporcionalmente mais altos, a capacidade de endividamento deverá diminuir; dificuldades na estruturação de Fundos Garantidores deverão ser maiores (até pelo estreitamento de fontes para fiscais ou sua oneração para “bancar” contraprestações de operações já em execução; estreitada a capacidade fiscal da administração direta, pode haver deslocamento para investimentos através das empresas indiretas ou para a constituição de FUNDOS DE INVESTIMENTO criados para depois serem repassados ao final das operações aos entes federados).

Por certo, também, há que se deva considerar o “relending” das dívidas do pacto que renegociação das dívidas com os entes federados que, agora, deveria ter um cenário de até 60 anos, incorporando as alterações decorrentes da suspensão das PMT atuais e os novos encargos decorrentes dos investimentos na área da saúde.

Do lado das Concessões, há que repensar se as Outorgas a serem obtidas nessas operações não devem servir para securitizar (de forma cruzada) a criação de Fundos Garantidores das operações de PPP, para dar destinação diferente do que simplesmente pagar despesas correntes, uma vez que – assim como a venda evitável de ativos reais ou alienações societárias em hora de depressão aguda – esses valores só entram uma vez no caixa dos entes federados.

Em ambos os casos (PPP e Concessões), há um elemento que não está nos quadros anteriores e diz respeito aos PRAZOS das PPP e Concessões: para diluir efeitos nos orçamentos públicos: para consistir os efeitos do reequilíbrio desejável, seria o caso de se recolocar os prazos dessas modalidades, para um novo intervalo de tempo: talvez entre 60 anos a 90 anos, dependendo da natureza dos projetos e do montante dos investimentos a serem necessários para a sua adequada operação.

Em ambos os casos também, há que se resgatar o fundamento de que não são as garantias corporativas que tornam mais seguros ou promissores os retornos das operações concessionáveis EM TODO o seu longo ciclo de atividade funcionais.

Pelo contrário, Concessões Plenas ou Concessões sob o instituto das PPP (Administrativas ou Patrocinadas) são sempre operações onde a geração maior de VALOR se dá do lado da OPERAÇÃO (OPEX) dos ativos formados e financiados e, não, do lado da construção dos ativos ou de seu financiamento primário (CAPEX ou FINEX).

Quem investe diretamente ou via cotas de fundos de recebíveis gerados pelas concessões (Plenas ou sob PPP) quer saber se o NEGÓCIO CONCESSIONADO vai ter capacidade de remunerar a operação – o FAZER DA OPERAÇÃO ao longo da concessão — dos ativos e se as rendas da operação (rendas tarifárias das concessões plenas e rendas da Contraprestações Pecuniárias colateralizadas por Fundos Garantidores), assegurarão a perenidade de seus retorno esperados ao longo do tempo – o PAGAR PELA OPERAÇÃO ao longo do mesmo horizonte temporal.

No pós-crise, o que prevalecerá: o velho ou o novo normal nas Concessões e PPP?