Arquivo para agosto de 2020

“Novo Normal” versus “Velhas Cabeças”

Bons ventos aqueles que sopraram, quando o medo e a cautela criaram nas pessoas a esperança que as levaria a buscar o que passou a se chamar de “Novo Normal”.

Bons ventos também os que sopraram para sinalizar que, em tempo recorde, não apenas uma – mas várias vacinas – poderiam abreviar a incerteza quanto ao prazo de superação das dificuldades: até as Bolsas de Valores vêm antecipando os efeitos que essas boas notícias podem trazer já a partir de 2021!

De repente, porém, a expectativa das pessoas traz a Valor Presente (VP), uma realidade que ainda não se consolidou e, além de jogar às favas os cuidados preventivos, joga para cima o que se poderia antecipar como “Novo Normal”. E, pior, a andar para trás, na mudança de paradigmas e posturas.

Dois exemplos são eloquentes:

As atribulações da pandemia fecharam um grande número de instituições de ensino privado, do chamado maternal até os demais níveis, desempregando professores e funcionários da linha de frente e da retaguarda (OPEX 01). Fora isso, o movimento desocupou o CAPEX (ativos reais) que eram alugados para uso do setor, sem contar o efeito indireto da queda da demanda por insumos e fornecimentos de toda a ordem (OPEX 02) que eram usadas por essas instituições.

Perderam-se, pois, no campo microeconômico, salários, aluguéis (OPEX 01 e OPEX 02), lucros e juros (remuneração do investimento e do capital, respectivamente, ou a renda do CAPEX, envolvido nessas operações). Por extensão, os tributos incidentes sobre esses fluxos individuais de renda, perderam-se para sempre.

Somado a isso, a redução nominal de fluxos de OPEX 01 e OPEX 02, nas atividades mantidas por enquanto, conforme os limites e as alternativas abertas pela ação anticíclica do Governo (redução de até 70% dos salários, diferimento de encargos sociais e financiamento para quem teve acesso aos bancos e às linhas de crédito criadas para esse fim, que também adiam o seu ressarcimento, na esperada redenção dos efeitos mais perversos de curto prazo causados pela pandemia).

O efeito já previsível: a Rede Pública deverá receber um aumento significativo de demanda por matrículas de alunos egressos da Rede Privada – tal como o SUS já recebeu um acréscimo maior de demanda dos que foram desempregados ou dos que não conseguem mais pagar os seus Planos de Saúde.

Ora, a volta às aulas na Rede Pública – de todo temerária para este ano letivo e isto só não vê quem não quer –, demandará espaçamento entre carteiras (mesmo no ano que vem), distanciamento nas atividades curriculares, e daí por diante.

Poucas são as salas de aula com menos de 20 ou 30 alunos na rede estadual e municipal: a realidade física mal comporta os alunos atuais. E com os egressos da Rede Privada?

A Rede Pública terá que fazer mais CAPEX para atender a todos que tem este direito previsto na Constituição?

Na identidade microeconômica antes definida há flagrante ociosidade, por que há o desemprego de fatores de produção demandados para a oferta de conhecimento: de profissionais da linha de frente e da retaguarda, às áreas liberadas para ensino em m2, de demandas secundárias de fornecimento de insumos de toda a ordem…ou seja, um ciclo econômico virtuoso onde o Setor Público poderia pagar pelo uso do CAPEX ocioso do setor privado, reempregar provisoriamente o contingente de professores e funcionários de áreas meio e com isso irrigar a cadeia de fornecimento de bens antecedentes e consequentes do ensino.

E, indiretamente, com a retomada dos salários, aluguéis e dos pagamentos a fornecedores, irrigar a economia periférica a esse importante cluster: inclusive a preços mais baixos do que aqueles vigentes ANTES da pandemia, eis que – a contrário senso – a ociosidade se tornará crônica para todos aqueles envolvidos nessa cadeia ou ciclo de produção.

Outro exemplo: com todas as dificuldades e distorções – até de ordem ética e moral como a apropriação privada indébita de recursos destinados à atender a uma ajuda de caráter público e humanitário – depois de dois meses de ajuda para quase 44% da população ou o equivalente a R$ 254 bilhões injetados na economia –, aumentou a demanda de varejo de materiais de construção.

O resultado dessa miríade de pequenas compras atomizadas e espalhadas regionalmente, fez com que o preço de alguns itens como o cimento, experimentasse uma pressão altista de preços.

Enquanto o fenômeno atingia só os atomizados consumidores das periferias, tudo bem (sic)!

Mas, agora, até os empresários da Construção Civil estão se dando conta da pressão especulativa: o efeito álcool em gel e de EPI, já conhecidos.

Os produtores de cimento, ávidos pela proverbial ganância – a mesma dos comerciantes e lojistas e donos de bares e restaurantes que também foram igualmente fraturados pelos efeitos da pandemia – pensaram com as Velhas Cabeças: “é preferível pegar R$ 100 reais, com preços ACIMA e antes da pandemia, agora, do que R$ 10 reais por mês, durante 10 meses”.

E depois: vão viver do quê? Vão tirar o dinheirinho de quem?

Não se percebe além dos narizes que uma crise como essa NÃO É UMA CRISE DE OFERTA: é uma CRISE DE DEMANDA (de indivíduos ou do mercado entre fornecedores e seus compradores finais na matriz interindustrial ou na cadeia logística e de comercialização).

O TEMPO – o mesmo tempo que é crucial para gerar as vacinas – precisa ser arrastado, multiplexado, espichado – para transformar em permanentes os efeitos fortuitos de curto prazo que continuam latentes no que ainda está vivo e respirando na economia.

Caso contrário, com essas Velhas Cabeças e com uma política de governo que disso também não se apercebe ao definir ajudas e politicas de enfrentamento da crise…o “Novo Normal” está cada vez mais rançoso e parecido com o putrefato Velho Normal que querem manter insepulto a qualquer custo!

Preços, prazos e margens velhos no novo normal?

De repente, é como se houvesse apenas dois conjuntos de bens na sociedade.

O primeiro, de alta essencialidade. E que compreende desde a vacina que imuniza até a infraestrutura para os que ainda precisam de cuidados com a pandemia, sem esquecer os insumos utilizados pelos bens, serviços e utilidades demandados pelo esforço de enfrentamento do vírus.

E outro, constituído por todo o resto (sic). Este, apesar de também possuir bens de diferentes graus e magnitudes de essencialidade, pode não ter nenhuma utilidade, se a sociedade não conseguir prover níveis de satisfação (e mesmo saciedade) para garantir a oferta dos bens que fazem parte do primeiro conjunto, no médio prazo.

Diferentemente dos choques de preços – que resultam em troca de ganhos e perdas entre os agentes econômicos – a pandemia que hoje se enfrenta atinge a todos sem respeitar fronteiras de qualquer ordem: de renda, etnia, gênero, faixa etária, local, credo ou ideologia.

Seus efeitos já estão tendo, por isso mesmo, imediata repercussão embora não recebam o mesmo grau de percepção por todos os agentes por ela envolvidos.

Até porque envolve uma componente geralmente secundada na análise das tendências e do entendimento da realidade: o comportamento dos que são por ela atingidos, quando a sobrevivência deixa de ser apenas uma longínqua hipótese de raciocínio. E que afeta apenas os “outros”…

Some-se a isso que, também diferentemente do que ocorre com choques usuais de preços, houve um choque que afetou tanto a produção quanto o consumo agregado de bens e serviços.

O resultado foi a contração de todos os componentes da identidade contábil nacional: produto, renda e despesas e das transferências promovidas entre eles pela atividade governamental e, portanto, da arrecadação e da alocação deles resultantes.

É como se todos os agentes econômicos empobrecessem ao mesmo tempo, na proporção de suas desigualdades. E, parece justo pensar, que todos, mercê das incertezas que ainda permanecem, devem ter uma postura de cautela e incerteza quanto ao futuro mais imediato, o que deve influenciar (como já está a influenciar) os hábitos de consumo, poupança e investimento.

Daí a retomada de atividades não poder ser pensada sobre o mesmo patamar existente ANTES da atual situação quando reduzida aos seus principais instrumentos de referência como preços, prazos e margens (de ganho ou de perdas).

Também diferentemente dos efeitos localizacionais das guerras convencionais, dessa vez é como se TODO o território fosse envolvido pelo conflito: todas as populações são atingidas. Sequer há o efeito de gênero: as mulheres substituírem os homens que estão na linha de frente: todos estão igualmente envolvidos pelo fenômeno (até mesmo as crianças e os velhos)!

Assim, no que tange ao segundo conjunto ou classe de bens de início referido – já que no primeiro grupo a volatilidade dos preços ainda tem algum tempo para se estabelecer – é justo pensar que há uma natural (sic) tendência ao maior entesouramento dos possíveis excedentes pré-existentes ou que venham a existir.

Ou seja, uma preferência a poupar mais do que a consumir; a entesourar mais do que a gastar; a manter mais do que a expandir; a dispender apenas no seja que de fato mais essencial; a ficar mais do que a viajar; a estar perto mais do que a se distanciar (inclusive nas atividades que puderem ser realizadas à distância, da aprendizagem ao trabalho e às consultas e reuniões)… ainda que – na saída ou nos picos de relaxamento – haja uma tendência a usufruir antes do que seja tarde ou enquanto seja possível (antes de uma onda mais restritiva).

Por isso mesmo: é possível manter a mesma estrutura de oferta de bens e serviços como aquela existente antes disso tudo? E aos mesmos preços relativos para as mesmas pessoas ou faixas e classes de consumo? Subir preços (e aumentar margens) ou baixar preços e ganhar mais no giro dos negócios para gerar o que é preciso para repor o que se produz ou vende?

Inclusive na indústria financeira do lado da operação (prorrogar empréstimos com as taxas de antes, em alta, prefixadas, com o retorno em baixa e a tendência de juros negativos; a fazer provisões elevadas por perdas que já foram pré-assumidas pela máxima Autoridade Monetária e sob o nariz da mesma) e do lado da captação (com juros reais negativos, o que fazer com 15.000 Fundos com patrimônio de R$ 3,7 trilhões que estão entupidos de títulos públicos cujos rendimentos tendem a ser liquefeitos a 1,2% ao mês erodindo o valor patrimonial de cotas ou de valores de pensões e aposentadorias?).

Ou mesmo no mercado das Concessões (Plenas e sob a forma de Parcerias Público Privadas, as PPP): onde é urgente repensar para MAIOR os prazos além dos 30 e 35 anos para diluir efeitos sobre orçamentos públicos (no caso das concessões sob PPP) e diluir investimentos em períodos onde é fácil antever dificuldades em projetar ganhos tarifários muito altos (melhor garantir prazos maiores de ressarcimento tanto para concessões plenas como para concessões sob PPP não só porque o usuário final estará com maiores dificuldades em ressarcir preços de concessão como o próprio orçamento público precisa se recompor em VALORES ABSOLUTOS do seu “quantum” de arrecadação e dispêndio); assim como repensar mecanismos fora do mercado de dividas – inclusive as horrorosas debêntures com renúncia fiscal em hora de déficit primário – para garantir menor endividamento prévio de investimentos. E, ao mesmo tempo, poderiam ser o NOVO NORMAL de investimentos para robustecer e tornar mais líquido o patrimônio de fundos que precisam prover lastro contínuo e real a poupadores que vão precisar sacar rendimentos para usufruir suas aposentadorias e pensões e não para receber papéis ou precatórios para repassar a herdeiros.

Nada será como antes, realmente: muito menos preços, prazos e margens. E é melhor se antecipar a isso, antecipando o NOVO NORMAL antes de ser engolido por ele.