Afinal, para que serve a economia?

A pergunta que não quer calar é como um zumbido desses que acompanha o dia a dia de milhões de pessoas em todo o mundo: e, tal como ele, ou bem você se acostuma ou simplesmente se deixa ensurdecer.

Tanto mais depois que a pandemia deixou explicita a ferocidade da desigualdade que divide o mundo, em todas as declinações que o verbo dividir possa comportar.

Essa pergunta certamente não incomodava tanto quem pensava a Economia em seus primórdios. Basicamente, porque não havia quem nela pensasse a não ser como filosofia: ou seja, impregnada e entranhada no mundo real (de todos os seres viventes) e não apesar deles.

Instrumentalizá-la, quer como pseudociência, quer como um manual de boas práticas e procedimentos (sublimando suas raízes comportamentais e culturais de toda a ordem) apequenou-a e a infantilizou-a, a ponto de se tornar um meio de apropriação de interesses, onde o mundo e a sociedade não são, senão, elegantes ornamentos de composição.

Daí as teorias exóticas extremadas, das sociedades sem mercado ou dos mercados sem sociedade que pululam estéreis a cada velha crise; e arregaçando cada vez mais as desigualdades.

Pois, pela escala, sua superação passa a depender de mecanismos que OU requerem meios brutais de transferências de renda e da riqueza já acumulada OU da geração de novas fontes de renda e de riqueza inacessíveis pelos próprios mecanismos da ampliação da desigualdade (como níveis mais elevados de educação e de conhecimento).

Afora o paradoxo inevitável: levar renda mínima não pode parecer como uma ação assistencialista; nem, tampouco, se bem-sucedida, gerar uma situação que permita dar sustentabilidade a um modelo que é auto excludente e perpetuador das próprias desigualdades que se deseja superar.

Um caso interessante é a economia brasileira: à exceção talvez dos chamados Anos Dourados, em boa parte dos anos 50 – onde o salário-mínimo foi o que até hoje é apontado como aquele que mais se aproximou do seu conceito “legislado” às minúcias, pelo Decreto Lei que o criou (o DL 399, de 1938) – em todos os períodos anteriores e posteriores a esse, as desigualdades parecem só ter aumentado (embora possa se encontrar períodos de uma ou outra melhoria relativa dos padrões prevalecentes. Tal como na euforia das inclusões de vasta camadas da população nos mais recentes Planos Cruzado (efêmero) e Real (com efeitos mais consistentes); ou no período recente, onde a inclusão de maiores contingentes à classe média nos anos fez o país sair do “mapa da fome” mundial).

No mais das vezes, e principalmente com a financeirização desmedida que se alastrou por todo o mundo – na verdade uma crise perpetuada e encadeada de vários ciclos onde o excesso de liquidez financeira sempre gerou mais moeda e liquidez do que a originação de produção consistente para incrementar ganhos de produtividade do trabalho e do capital não especulativo alocado na produção –, a sociedade brasileira consolidou o perfil de uma Plutocracia de Resultados, consolidando e aprofundando os ganhos estéreis do capital financeiro, da renda especulativa da terra notadamente nos centros urbanos e da acumulação primitiva do capital nas áreas antecedentes e posteriores da produção.

Mais ainda: a esses quistos de desigualdade se juntaram àqueles que eram necessários para legitimar e gerar um arcabouço institucional para a sua expansão e perpetuação.

Surgiram então, os membros do que se poderia chamar de Plutocracia Assalariada.

Assim se criou como uma derivativo malsão, um contingente de sub castas nas áreas onde se legitimam tais desequilíbrios – de base institucional e representativa desses mesmos interesses – que também, e pour cause, também desenvolve mecanismos de geração de desigualdades expressas em altos ganhos e rendimentos diretos e indiretos, que podem ser resumidos no salários de referência que está por volta de R$ 50 mil (média dos salários doas presidente e do vice presidente do país).

Ora, o salário-mínimo definido pelo já citado DL 399 (1938) deveria estar na casa dos R$ 5 mil!

Convenhamos: se fosse assim, uma diferença entre o maior salário da república e o mínimo salário a ser percebido pelo cidadão que tivesse a qualificação para estar ocupando um posto de trabalho formal de até 10 vezes, até que poderia ser equivalente àquele encontrado em muitas empresas ou corporações…

Mas, para uma diferença entre R$ 50 mil e R$ 1.100,00, de 45 vezes, qualquer explicação que se dê é, com certeza, pelo menos ridícula!

No momento em que na política, o fetiche da vez é encontrar um Joe Biden inzoneiro (apud Ary Barroso), a única exigência dos fundos de financiamento de candidatos, das velhas oligarquias da Casa Grande & Senzala (apud Gilberto Freyre) e das oligarquias emergentes das áreas de facilities e de empoderamentos de ocasião (apud qualquer influencer ligadinho), só uma exigência é feita aos emergentes da vez: sem chance desse negócio de taxar super ricos, dividendos, ou —pior – tentar uma reforma tributária que mexa TAMBÉM nos impostos diretos).

Na real: então, vamos fixar que o desafio não e mexer no ganho de quem tem; mas, diminuir a diferença entre o maior e o menor nível salarial visível.

Sabendo que nos próximos 20 anos, a desigualdade vai permanecer no mesmo índice de 10:1 entre o maior e o menor de referência do setor púbico e o salário-mínimo do DL 399, toda a política de subsídios e de transferência passa a ter como prioridade quem produza bens e serviços para essa classe emergente de R$ 1.100,00 para R$ 5 mil, em termos reais, ao longo do tempo.

A começar com a formalização de quem se contrata: custo de formalização calculado proporcionalmente ao tamanho da empresa e incidente progressivamente até se atingir aos níveis atuais, a partir da carência de 36 meses.

Os subsídios e transferências que custam cerca de 4% do PIB serão mantidos ou serão crescentes para quem vai fornecer bens e salários para as faixas emergentes e decrescentes para as faixas hoje já aquinhoadas: ou seja, para esse pessoal, vale a teoria do mercado sem sociedade e, assim, eles passam a ser financiar pelos preços que se podem pagar pelo que produzem.

Basta uma meta: basta que seja de Estado e não apenas de governo.