Arquivo para junho de 2021

O preço? Ora o preço…

As discussões sobre a privatização da ELETROBRÁS me fizeram relembrar um episódio.

Quando trabalhei em uma empresa estadual de energia, recebi um empresário que foi me comunicar a intenção de fazer uma proposta para adquirir uma usina da empresa, pagando por ela apenas o que entendia ser o seu “efetivo valor”: o valor residual que estimou em 4,4 % do valor inscrito no seu (empresa) balanço patrimonial.

Dizia que o CAPEX já havia sido totalmente amortizado e, como tal, seria quase que um “prêmio mais do que justo” a pagar aos acionistas da empresa (governo estadual, acionistas individuais e institucionais) por 100% do valor daquela usina em particular..

Lembrei que eu não podia vender no todo ou em parte o que pertencia ao Poder Concedente (a União, e não o Estado) já que SEMPRE, independente de quem tem a titularidade da empresa, pública ou privada, ou seja, o “dono da empresa” remanesce a Concessão no domínio do Poder Concedente. E que até a venda da empresa estadual ou de uma usina – com a devida anuência do Poder Concedente – deveria passar por autorização da Assembleia Legislativa, dos órgãos do controle do Estado, de Assembleia dos Acionistas…) enfiam, que “vender” não era ato discricionário de quem respondia pela direção da empresa, simplesmente.

Ademais, àquela época, ainda não existia a Nova Lei de Concessões Públicas (a Lei 8.987), ou a Lei das PPP (a Lei 11.097) mas havia um Plano de Privatização conduzido pelo BNDES desde 1990 e por certo haveria um Plano Estadual para normatizar essas eventuais tratativas: o interessado saiu inconformado e disse que iria tomar suas providências face à minha recusa, eis que já teria “decidido” seu intento com a autoridade máxima do Estado…

O objeto de tal desejo era “apenas” uma usina histórica de uma empresa também “histórica” – equivalente à ELETROBRÁS – e igualmente importante para a economia do país e do Estado.

Por outro lado, foram os “próprios empresários privados” que 03 (três) décadas antes PEDIRAM ao Governo do Estado que aglutinasse as várias empresas privadas e estrangeiras de energia então existentes – SEM QUALQUER CAPACIDADE DE INVESTIMENTO – em UMA ÚNICA EMPRESA PÚBLICA ESTATAL, de sorte a fazer face ao crescimento de MAIS DE DOIS DÍGITOS ANUAIS que a demanda por energia reclamava na época do então milagre econômico brasileiro.

Com a anuência do Poder Concedente, os acionistas privados brindaram “à justa paga” e comemoraram a possibilidade de crescer com a economia milagreira (sic) sem sofrer limitações da sua fronteira de energia.

Passadas as três décadas, o que se dizia é que a empresa estatal estadual NÃO INVESTIA na medida da necessidade reclamada pelo empresariado pondo em risco a economia das empresas eletrointensivas no Estado.

Afinal era uma empresa histórica com boa parte das suas usinas já amortizadas…

Não havia o investimento por duas razões simples:

01. O governo federal não autorizava o Poder Concedente a sequer repor o impacto da inflação nas tarifas das empresa federais (como a Eletrobrás) ou estaduais, para “segurar” o repasse aos preços e controlar o índice de inflação do país…Tal como corria com todas as tarifas públicas, o que contraía a capacidade de investir e a capacidade de manter e sustentar a operação de várias outras “utilidades” como a as tarifas de águas e esgoto, tarifas de comunicações, tarifas aeroportuárias, tarifas de transportes públicos, tarifas de pedágios rodovias e daí por diante… e,

02. SEM PREÇO, não se investe no que mais se precisa nas empresas – principalmente as históricas – que é, no mínimo, a repotencialização das turbinas, a automação de processos de operação para compensar a curva de obsolescência de velhas tecnologias e o ponto de rendimentos decrescentes da potencialização, e daí por diante.

Sem falar na necessidade de reciclagem da mão de obra, treinamento e reposicionamento estratégico face a novos cenários como o surgimento de fontes alternativas de geração e conservação de energia.

Além do que, não se estima o valor de qualquer negócio “olhando para trás”: estimados os investimentos para atualizar e/ou manter atualizado e competitivo o valor das usinas e da empresa, histórica ou não; estimados os seus custos futuros de manutenção, operação e constante atualização tecnológica, estima-se o valor de crescimento e manutenção de sua base de clientes e as suas possibilidades de expansão e, assim, se chega ao Valor Presente do Investimento, o prazo de recuperação do capital e a Taxa Interna de Retorno do negócio. Confrontado com o custo de oportunidade do capital próprio e de terceiros que se mobilizará e as oportunidade de alavancagem do projeto, aí se toma a decisão de investir (ou não).

Mas nada – ressalte-se NADA – pode abstrair o PREÇO DA TARIFA que, se não for corrigida, para assegurar o retorno do capital e a sustentação do esforço de manutenção da operação, afastará o investidor ou forçará a revisão contratual e pode implicar até na caducidade antecipada do empreendimento pelo Poder Concedente.

Outro ponto a observar é o efeito conjugado da forma de financiar a produção e o investimento das empresas de energia privatizadas e o efeito de trade-off que a interligação do Sistema Elétrico e a progressiva maturação de eventos como o surgimento de novas fontes de energia ou da propagação de energia distribuída, podem ter sobre a formação de preços do novo negócio (atopetado de jabutis) para a formação do preço final da energia a ser oferecida ao mercado.

Ou seja, tudo indica que – tal como aconteceu com a economia 1.0,2.0,3.0, 4.0 e 5.0 –, o Mercado de Energia terá um novo período de “Golden Age” pela frente.

Nunca (ressalte-se NUNCA) nenhum dos períodos de expansão da economia pôde prescindir da ENERGIA como fator propulsor dos ciclos virtuosos e das grandes transformações estruturais da produção, emprego e renda que o mundo observa desde a I Revolução Industrial.

Quanto maior a automação e menor a intervenção humana em produtos e processos, maior a necessidade da energia em todas as suas formas (afetando TODOS os setores de produção, e até mesmo o transporte público de massa ou a indústria de prestação de serviços de infraestrutura em geral).

Precificados todos os jabutis da aprovação a qualquer custo da ELETROBRÁS, o preço da energia final para os eventuais compradores da empresa como UM TODO ou através do FATIAMENTO REGIONAL de suas empresas originais, será tão proibitivo para o comprador que de duas, uma:

a. O novo comprador é um visionário (sic) que JÁ CONTA com um seguro garantia (sic) para que tal deformidade na formação de preços seja SOCIALIZADA com todos os consumidores COMERCIAIS E INDUSTRIAIS e INDIVIDUAIS da energia a ser gerada, sublimando também a independência das Agências Reguladoras Nacionais e Estaduais envolvidas, ou,

b. Os consumidores – pessoa física e pessoa jurídica – que serão diretamente afetados por essa formação de preços vil OU migrem para outros fornecedores de energia via o sistema interligado, OU generalizem a fuga para sistemas de geração distribuída OU, ainda, judicializem seus contratos firmes de fornecimento para resistir a um eventual processo de socialização compulsória de perdas em economicidade energética.

Creio, pois, que essa privatização atabalhoada, possui em si mesma, ao fim a ao cabo, os elementos que irão por certo levar à sua revisão – agora, ou quando seus efeitos deletérios se generalizarem sobre os PRÓPRIOS AGENTES PRIVADOS que estão na ponta do consumo eletro intensivo, o que, em síntese, criará uma enorme INSEGURANÇA JURÍDICA para aqueles que entre desassombrados e destemidamente darão seus pareceres para utilizar recursos de terceiros de fundos, acionistas desavisados ou que nada entendem de questões regulatórias, a se lançar como financiadores ou investidores de tão temerária iniciativa.

Um buraco que engole o outro

As primeiras reações ao “choque pandêmico” que colocou o mundo todo de joelhos, foram muito similares àquelas enfrentadas quando o homem descobriu o fogo e deixou de temer a escuridão.

Arrependidos (eis que tementes por, no fundo, não ignorar que sua ação predatória na exploração insana e desigual de pessoas e do meio ambiente talvez tivesse antecipado a inevitável prestação de contas), todos se puseram a observar a antiga beleza de um céu mais limpo e a solidariedade que buscava amparar os que estavam sendo impactados pelos efeitos de um vírus do qual nada ou muito pouco se sabia

Mas a realidade da situação impôs a busca de soluções compatíveis com as possibilidades de cada país sofrer, absorver e reagir ao que ia se mostrando dia a dia cada vez mais assustador.

Duas ações emergiram: o uso do conhecimento de ponta para buscar a saída eficaz para o combate ao vírus transmissor da pandemia, assim como, em paralelo, seguir suas mudanças e ao longo do seu processo de transmissão e adaptação a diferentes situações num mundo diverso e diferenciado.

E, de modo complementar, organizar os meios para mitigar os efeitos sobre todo o cluster do complexo segmento de saúde (de todo o CAPEX e do OPEX necessário para sua operação —notadamente o capital humano de alta especialização e capacitação – assim como toda a infraestrutura requerida para instrumentalizar o sequenciamento da atividade virótica (testagens exames prospectivos e preventivos, identificação e novas variantes e daí por diante).

Até aí, não obstante a indeterminação de início reinante, quase como que em um ensaio organizado à distância, países diferentes seguiram os mesmos protocolos para aguardar suas primeiras ondas de contágio.

E todos os que tinham essa condição, passaram a contratar com RECURSOS PÚBLICOS, diretamente ou pela negociação e lastro de seus CONTRATOS DE FORNECIMENTO firme e irretratáveis com centros de excelência reconhecidos, o desenvolvimento de vacinas para prover o enfretamento ao vírus.

Mesmo SEM A ANUÊNCIA PRÉVIA de seus centros de certificação sanitária, como a OMS, FDA (USA), a EMA (CEE), MHRA (Reino Unido), ANVISA (Brasil) ou MHLW (Japão) ou NMPA (China); ou MESMO SABENDO dos riscos inerentes às essas atividades, e MESMO SEM CONHECER de antemão o número de doses a serem prescritas ou outras variáveis que costumam parametrar a aquisição de suprimentos vacinais.

O Brasil, também seguiu esses passos foram seguidos, com a contratação da vacina desenvolvida pelo Consorcio ASTRA ZÊNECA e a Universidade de Oxford, no Reino Unido.

Ou seja: com risco de sucesso, sem autorização da ANVISA ou da Agência do Reino Unido (MHRA) e antes mesmo dos testes para a determinação do nível de eficácia a ser obtido pela vacina.

O que mudou; ou quem mudou o rumo das ações até então seguidas?

E transformou em exigência pétrea, irrecorrível, informações que não eram ainda disponíveis para quaisquer outros fornecedores (inclusive a próprio Consórcio ao qual o país aderiu)?

Com o país se aproximando, um ano e três meses depois, da marca de 500.00 (meio milhão) de mortos pela COVID-19; e, com um índice de cobertura de vacinação efetiva (duas doses das vacinas que foram adotadas no país, APENAS neste ano), que estará por volta de 11%, a verdade é que o desastre da gestão do choque pandêmico no Brasil é uma calamidade em si mesma.

No mercado costuma-se dizer que a forma mais rápida para cobrir um buraco é abrir um outro maior…para engolir o buraco menor…e blindar o que puder do patrimônio dos sócios e executivos…além de torcer por um eventual novo e desatento stakeholder…

Seja pelo motivo que se possa atestar mediante as investigações ora em curso (CPIs, ações de partidos e representantes da sociedade civil em foros nacionais ou externos, investigações de organismos independentes de organizações multilaterais, entre outros) – e que vão desde a adoção de estratégias escabrosas como a busca natural (sic) da imunidade de rebanho, a adoção tratamentos já banidos pela ciência – a verdade é que o desastre já aconteceu.

O “buraco menor” já está sendo engolido pelo “buraco maior”!

Qualquer Ministro da Saúde é mero anteparo para cavar um buraco maior em plena luz do dia.

De nada adiantará a aplicação tardia de medidas que tinham sentido e importância se tivessem sido tomadas ainda em meados do ano que passou.

Manter o mínimo de exigências como o uso de máscaras e evitar a não aglomeração – pelas parcelas da população que ainda possuem algum empatia ou espírito humanístico – e guardar distanciamento (índice que hoje está perto de 30% nas principais aglomerações, ou nem isto), por certo será importante.

Os artífices dessa situação agora estão na fase de procurar a autopreservação para escapar do “longa manus” da justiça que por certo virá.

Para blindar os “sócios e executivos” da hora, resta apostar sofregamente no fechamento das prerrogativas institucionais ora vigentes: é para isso que se armam espíritos de confronto e se busca a subordinação dos interesses do Estado aos nefandos princípios de governos e pessoas.

Nada é tão atual (não obstante o seu caráter caricato e anedótico, ou talvez por isso mesmo) do que rever no YouTube ou NETFLIX, “O gato que ri”, do (neste momento) visionário e profético Peter Sellers.

Ou relembrar o Visconde de Cellorigo, na Espanha em 1.616, ao se lamentar a crise que seu país passava quando dizia, impotente que: “aqueles que queriam fazer algo pelo país não podiam; e, aqueles que tudo podiam, não queriam”.