A Lei de Responsabilidade Fiscal, a LRF – vigente a partir da Lei Complementar 101, de 04 de maio de 2000 –, foi um fundamento de finanças públicas sem o qual o esforço de estabilização dos preços e o resgate da credibilidade da economia nacional não teriam acontecido suplementando as ações de estabilização derivadas do Plano Real.

Até então, geralmente entre a segunda e a terceira semana de dezembro, antes do término dos exercícios fiscais, a cobertura dos déficits públicos de toda a ordem era capitalizada; e se emitiam dívidas mobiliárias ou bancárias, cujas obriagações eram igualmente “roladas” na forma de Antecipações de Receitas Orçamentárias correntes ou por endividamento bancário de médio prazo, normalmente junto aos bancos públicos que então agiam como emissores secundários de moeda –, para refinanciar os excessos de despesas sobre a base de arrecadação dos governos.

Confrontada com a capacidade líquida dos governos resgatarem tais déficits (ou quitar as diversas formas de financiamento direto ou indireto realizadas vias empresas e bancos do próprio setor público), as dívidas renovadas eram  ”jogadas para resgate mais à frente”. E este seu montante era, a cada ano,  considerada como crescentemente impagável.

Prova disso é que os papéis da dívida do setor público NEM conseguiam ser emitidos por prazos suficientemente longos para ajustar a emissão com os futuros resgates e NEM eram “entesourados em carteira” pelos agentes que os compravam: pelo contrário, no mesmo dia das emissões, as dívidas eram desagiadas e transformadas em papéis com prazo de vencimento diário, ao contrário de que acontecia com outros papéis de dívida emitidos pelos Tesouros Nacionais de outros países, cujos tomadores aceitavam esperar pelo vencimento final dos mesmos para receber os rendimentos derivados de sua colocação a mercado.

Com a LRF, o Tesouro Nacional “comprou” o estoque de dividas existente do setor público e, diferentemente do que até então acontecia, fixou um prazo de 30 anos para o seu repagamento por parte dos agentes públicos devedores. Além disso, fixou limites de gastos e de endividamento que passaram a ser objeto de acompanhamento sistemático por parte da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), penalizando-se eventuais transgressões com bloqueio de repasses de verbas federais entre outras sanções de ordem financeira e administrativa que passaram a ser cobradas dos gestores públicos.

Embora as ações de estabilização ainda estivessem em maturação à época de sua institucionalização, os juros e os indexadores estabelecidos para a correção ao longo do tempo partiram de que o reordenamento de preços públicos e privados e a recuperação das finanças nacionais viabilizariam o resgate efetivo dos compromissos assumidos com base em um crescimento do PIB da ordem de 4% ao ano.

Na média, isto engessou os orçamentos públicos entre 11% a 13% da sua base corrente de execução como repagamento das dívidas: se consideradas as despesas mínimas a serem incorridas com outras obrigações de gasto previstas na própria Constituição Federal (CF) — tais como os gastos mínimos em saúde e educação –, isto faria com que os gestores públicos efetivessem reformas estruturais para minimizar custos e despesas operacionais, assim como teriam que buscar outras formas de alavancar os gastos de investimento com base em fontes que não gerassem novas formas onerosas de endividamento, assim como não comprometessem poupanças fiscais até que o processo de esterilização dos “velhos passivos” estivesse superado; ou, pelo menos, melhor equacionado ao longo dos 30 anos de horizonte de ajuste fiscal então pactuado.

Decorridos bem menos do que a metade deste prazo, já há algum tempo se reclama a renegociação da LRF: seja porque a média de crescimento da economia não se repetiu anualmente e de forma linear, com viés de alta; seja porque os ajustes estruturais na forma e no modo de gerir as finanças públicas, comportal e culturalmente, de fato, não mudaram; seja porque as demandas por serviços públicos ou cresceram ou mudaram de composição para formas mais onerosas (na saúde, por exemplo, a combinação da mudança etária e da desaceleração demográfica mudou o foco da atenção primária dos muito jovens ou jovens para os mais velhos ou os idosos, com custos maiores e mais complexos de atendimento destes últimos); e daí por diante.

A matriz de financiamento dos investimentos públicos, por outro lado, foi eficaz no quadrante econômico, em áreas  e segmentos onde o retorno propiciado pelas tarifas expandiu a base de atividades concessionadas (em áreas como rodovias, energia, telefonia, transportes metroviários, entre outros); mas pouco se expandiu na formação de ativos sociais e urbanos, tais como a saúde, a educação e as creches, a segurança, o aumento de vagas prisionais, a habitação de interesse social, a infraestrutura de base ambiental.

Em boa medida, a menor velocidade de expansão nas atividades concessionadas nestas áreas onde se concentram imensos e intensos  bolsões de demanda reprimida que tendia (sic) a ser atendida pelo desenvolvimento das modalidades de concessão sob o instituto das Parcerias Público Privadas (PPP) não aconteceu com a mesma intensidade do que ocorreu nas demais áreas de concessão econõmica porque foi exatamente nos últimos dez anos (desde a Lei das PPP em 2004), que a as dificuldades fiscais dos agentes públicos começaram  a se ressentir dos ajustes que não ocorreram. Assim como, por força da conjuntura e do autismo estruturante em buscar novas alternativas para o crédito público convencional, — a par da desaceleração da economia – também acabou-se por estreitar as formas de alavancagem do investimento privado.

Quando, agora, o Senado Federal aprova uma alteração que poderia significar maior liquidez fiscal – pela mudança do indexador que corrige as obrigações que  tornam o custo de carregamento das dívidas, sem dúvida, oneroso – o país encontra-se a pique de ver rebaixada não apenas as suas notas de rating assim, como, também, o próprio grau de investimento que fez toda a diferença na captação e alocação de recursos internos e externos na economia, desde que foi conquistado em 2003.

Na raíz do problema, por certo, o crescimento pífio do PIB e o sumiço dos superávits fiscais do setor público em relação a este mesmo PIB, coadjuvado pela pressão altista dos preços livres e pelo desastre da gestão errática dos preços básicos da economia, como a energia  e de outros insumos como o petróleo e o gás.

O mesmo Senado e a Cãmara que, no ano 2000, promoveram ADINs (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) para vetar a LRF, agora estão pelo menos em tese (e de novo) contra a posição do Executivo de plantão: estima-se que a adoção da decisão do Senado e da Câmara signifique menos R$ 59 bilhões de entrada de recursos para o Tesouro Nacional, que está passando o rodo no caixa para contornar o milimétrico superávit primário esperado para o fechamento das contas ao final deste exercício. Por outro lado, e ainda que o impacto não seja imediato, maior capacidade de endividamento significa mais gastos dos agentes públicos e a expansão do seu endividamento, o que estaria por recomendar o veto da medida pelo poder executivo.

Há uma condição ”necessária” a ser adotada de imediato, todavia: que, se sancionada pelo executivo, as novas “margens” de alavancagem dos gastos públicos só sejam autorizadas para expandir gastos de investimento em ativos de interesse social, de fato. Ou seja, diretamente ou vias as várias formas de concessão, em ativos e operações de custeio (CAPEX e OPEX) nas áreas de saúde, educação e creches, mobilidade urbana, habitação de interesse social, ações de amplitude ambiental como o tratamento de resíduos sólidos, segurança pública, etc.

Há outros elementos estruturantes a serem considerados para que as  Concessões sob PPP, em decorrência de eventuais brechas abertas para que o setor público retome investimentos enfim decolem: por outro lado, existe a própria vontade do gestores públicos em priorizar gastos diretos, sem parcerias ou concessões, dado que para muitos gestores, concessões e concessões sob PPP ainda se constituem em um mistério ainda não totalmente decifrado.

A confirmar, esperando a posição do executivo sobre esta questão.