Por linhas tortas, a maior parcimônia em não transferir recursos do tesouro para os bancos públicos, pode ter o condão de permitir que melhor se reflita sobre a estruturação de recursos a ser utilizada nos projetos de investimento de longo prazo, por meio de concessões e de concessões sob o instituto das PPP.

Há muito temos defendido que o fundingprimordial para a alavancagem de recursos para este tipo de projetos — mercê de seu longo prazo de maturação e os riscos de conjuntura e de performance a eles associados – seja repensado: a tradição brasileira neste sentido tem origem ainda nos anos 50 do século passado, em boa parte inspirada no processo de reconstrução das economias no pós-guerra.

Em 1944, uma ano antes da guerra terminar, em Brentton Woods já se discutiam os cenários que emergiriam ao final do conflito: a necessidade de reconstrução da infraestrutura nos paises que foram palco das batalhas e, acima de tudo, a nova (sic) ordem econômica que resultaria da emergência de um novo polo gerador de riquezas (os EUA) vis a vis o ocaso da economia até então dominante (a Inglaterra), cujas plantas industriais e a moeda e as reservas internacionais, haviam sido erodidas durante os cinco longos anos do conflito.

Discutia-se, com Lord Keynes de corpo presente, a criação de uma nova moeda de curso internacional, desatrelada da moeda da economia dominante — como a libra havia sido até então a moeda de curso internacional — de forma a não submeter a economia mundial à flutuações que viessem a se abater sobre a nova economia dominante (os EUA e o dólar americano).

Durante o conflito, os EUA substituíram com sua produção local, as plantas industriais das economias envolvidas na guerra, suprindo não apenas a oferta de artigos bélicos mas, também, atendendo a maior parte da demanda mundial por bens manufaturados e não manufaturados.

Com o aumento das transações correntes (via a balança comercial) do comércio mundial com os EUA, o volume de dólares fora dos EUA passou a ser um múltiplo dos meios de pagamento daquele país; a expansão da liquidez americana levou Lord Keynes a propor a criação uma moeda de curso internacional, o BANCOR e uma espécie de banco central mundial, enquanto que o representante dos EUA (Harry Dexter White) propôs criar outra moeda, a UNITAS, além de um Fundo Mundial para a cuidar da estabilização do balanço de pagamentos das economias no  pós guerra e um banco nnternacional para financiar a reconstrução e o desenvolvimento destas economias quando o conflito, enfim, terminasse.

Ao final, adotou-se o dólar como  moeda de curso internacional para as transações comerciais e financeiras, tornando-a ao mesmo tempo uma moeda para atender à demanda por liquidez corrente e uma moeda que também passou a ser usada como reserva de valor já que seu valor intrínseco era lastreado nos sucessivos superávits comerciais e de capitais a partir de então gerados pela economia americana contra o resto do mundo — atrelando-a a um valor fixo em ouro — cuja (até então) futura situação de desequilíbrio passaria a se constituir (como de fato se constituiu com a desvalorização pós crise do petróleo, 30 anos depois) em foco de instabilidade nas transações monetárias internacionais.

Venceram também as propostas de criação de um  Fundo de Estabilização (que redundou na criação do FMI) e do Banco Internacional da Reconstrução e do Desenvolvimento (o BIRD): mas o que importa destacar neste contexto foi que o capital nestes dois instrumentos foi constituído através da subscrição de recursos de origem pública e, portanto, de base fiscal.

No pós-guerra, países aliados (como o Brasil) passaram a ser alvo de missões de cooperação econômica que identificavam a existência de diversos “pontos de estrangulamento” que criavam obstáculos para o pleno desenvolvimento, o que (então) passou a ser entendido como um processo a ser superado por meio de investimentos em áreas como a infraestrutura e o desenvolvimento das indústrias que criariam “pontos de germinação” para propiciar o crescimento ao qual se seguiria o processo de desenvolvimento tão almejado pelo conjunto das nações de todo o mundo.

Na falta de recursos de capital do setor privado nacional, a geração de Fundos Fiscais de Desenvolvimento, com recursos mobilizados através de base fiscal pura ou de empréstimos e financiamentos entre países, de longo prazo, (muitos a fundo perdido), criaram os meios de alavancagem para os projetos de integração das bases econômicas locais, regionais e nacionais.

Alguns destes fundos se tornaram tão grandes — como o Fundo de Modernização Industrial, o FMRI e o Fundo de Reaparelhamento Econômico, o FRE, voltado ao financiamento de ativos de infraestrutura — que se criou uma instituição financeira para gerí-los, o então BNDE (sem o “S” de Social, que lhe foi acrescido anos depois).

O modelo de base fiscal (pública) se generalizou regionalmente e depois em cada estado da federação, com a criação de bancos regionais e estaduais de fomento ou mesmo comerciais), com a mesma estrutura de capitais onde os aportes dos tesouros públicos e a criação de taxas e de mecanimso parafiscais de várias origens se fizeram o elemento primordial de capitalização e de fonte primária de recursos para projetos nas áreas de infraestrutura e de apoio às atividades produtivas dos setores econômicos e empresariais privados.

Em paraleleo, plasma-se uma participação sempre secundária e acessória por parte dos bancos privados nacionais ou estrangeiros que, quando muito, repassavam os recursos de base fiscal e parafiscal que criavam linhas setoriais e regionais de fomento e desenvolvimento, acrescendo-lhes o custo de sua intermediação.

Recursos de natureza fiscal ou parafiscal — como o FAT, o PIS PASEP, o FGTS e tantos outros — passaram compor o funding de recursos dos bancos públicos mercê de seus custos de captação primária bastante baixos (entre 1,5% a 3,5% ao ano), e sobre os quais, estes bancos públicos passaram a adicionar taxas de juros ativas e spread para calibrar o risco das operações apoiadas diretamente ou sob repasse de outros bancos públicos ou privados.

Este perfil permanece o mesmo até hoje (o que mudou foi o número de bancos públicos estaduais, comerciais e de fomento, a maioria dos quais foi extinta no bojo do ajuste fiscal promovido pela Lei de Responsabilidade Fiscal , a LRF, a partir do ano 2000).

Criou-se assim um mecanismo de captação e aplicação destas poupanças institucionais com lastro parafiscal (o mais das vezes) – que ainda é onerada  por mecanismos como as cobranças do tomador final de del crederes e spreads que tem um impacto de até 3,5% a 4,0%  sobre o volume de recursos alocados para o financiamento da formação de capital — o que não é pouco se cosniderado apenas o volume desejado de recursos para a infraestrutura, ou algo como R$ 1,2 trilhão, ou seja, por volta de R$ 50 bilhões.

Ou seja, ao longo do tempo, não foram as fontes de “poupanças livres” que foram mobilizadas para suprir a necessidade de recursos demandada para a realização dos projetos de investimento de que necessitava o país (em projetos conduzidos pelos empreendedores privados nacionais ou estrangeiros ou pelo setor público).

Num país onde o capital para investimento era escasso, se mobilizaram recursos de originação compulsória incidentes sobre a renda e a produção gerada. Ou seja, recursos originados através da cobrança direta de impostos, taxas ou contribuições fiscais ou parafiscais de toda a ordem, alocadas sob a forma de programas de créditos de longo prazo para determinadas empresas, setores ou regiões.

O baixo custo de captação gerava tanto custos finais de alocação diferencialmente mais baixos quando confrontados com outras fontes de alocação que disputavam as poupanças livres disponiveis no mercado quanto prazos maiores para a sua utilização eis que, por serem gerados de forma compulsória, via a arrecadação primária, não havia necessidade de retorno aos seus dotadores originais, senão às contas gráficas dos fundos e programas que eram a partir deles constituídos.

Evidente que, em termos de equilíbrio geral, o que se imaginava é que a alocação gerada através desta base diferenciada, gerasse — na outra ponta — apoio a projetos e empreendimentos públicos e privados que gerassem retornos que suprissem e até mesmo superassem a valor futuro, o ônus da oneração criada pela diminuição da renda disponível a valor presente, sobre àquelas fontes que originaram a captação compulsória destes recursos de base fiscal ou parafiscal.

Como esta conta (sic) nunca foi feita ou acompanhadas ou gerenciadas acabou-se, por outro lado, a se criar um conjunto de distorções.

Primeiro, estes recursos eram alocados na economia preferencialmente através de “crédito”. Ou seja, ainda que se destinassem a projetos de retorno mais longo, seus resgates se dariam sob a forma de juros sobre o principal captado independente de flutuações da conjuntura ou das sazonalidades de operação e de geração de valor dos projetos apoiados.

Segundo, estes recursos –por serem drenados pelo poder público — seriam repassados diretamente como “linhas de crédito” ou por aportes de capital através de bancos onde os donos do capital também fossem o governo ou instituições governamentais: se bancos privados os quizessem utilizar, não só teriam que pagar pela intermediação como cumprir normas de alocação pré definidas pelos dotadores públicos. E ainda, passarem a ser os responsáveis pelo risco de crédito dos clientes finais: ou seja, em caso de inadimplemento, teriam que pagar os dotadores públicos para depois se ressarcirem junto aos tomadores finais dos recursoso assim “intermediados”.

Terceiro, o custo do dinheiro do longo prazo, ficou “mais barato” do que o custo do dinheiro do curto prazo (artificialmente, por claro)!

O “preço da intermediação” e os “riscos de ressarcimento” — neste caso por óbvio –, seriam sempre transferidos ao custo final dos mútuos (ou pagos pelo tomador final, o que dá no mesmo: ou seja, oneram-se recursos tomados da sociedade, remunerando duas vezes a intermediação dos recursos, até que se chegue ao seu tomador final, sem mecnismo de controle de alocação ou retorno para se saber se este “passeio” afinal gerou mais valor do que tirou quando de sua extração das fontes fiscais ou parafiscais que as originaram).

Mais curioso é se concluir (sic), a contrario sensu, que “custa mais caro” tomar recursos lastreado em poupança livre” — via mercado de capitais ou a futuro ou via outros mecanismos de captação de mercado — do que através das linhas de crédito de bancos públicos…

Ainda que o “crédito” não seja, a priori, o melhor mecanismo para custear a formação de ativos de longo prazo de maturação, por que não se permitir que todos os agentes de intermediação de crédito tenham acesso à mesma fonte de dotação de recursos fiscais ou parafiscais?

Por que a modalidade tem que ser só através do crédito?

Se são fontes de base fiscal e parafiscal — extraídas de quase todos na sociedade –porque também não permitir sua alocação a todos os intermediadores de liquidez — dos mercados de crédito, de capitais ou de futuros (estes últimos quando para compor recursos em fundos com base na captação de poupanças lívres ou para compor fontes para comprar recebíveie sou direitos emergentes de concessões entre outros produtos não financeiros) — economizando, pelo menos os custos desnecessárrios sobre a intermediação destes recursos?

Talvez a busca pelo ajuste e pelo equilíbrio fiscal ajude a romper com estes velhos paradigmas: e se buscar as fontes mais adequadas para o custeio de projetos de longo prazo, nos mercados de capitais e de futuros. E, apenas subsidiariamente, no mercado financeiro, de crédito.

Em paralelo, por certo, com a diminuição do déficit público há menos endividamento do setor público e, portanto, menor pressão sobre o custo de captação do dinheiro de longo prazo: como resultado, caem as taxas de juros no curto prazo. E, por reflexo, a poupança livre enquistada em títulos há que procurar outras formas para sua reprodução ao longo do tempo.

Neste cenário — e , gradativamente –, as poupanças livres passam a ter no país o papel que devem ter para ofertar meios para a formação de capital de longo prazo (como na infraestrutura, por exemplo).

O que irá assegurar maior oferta de recursos originadas em fontes não financeiras (substitutas do crédito) em operações de mais longo prazo: até porque, como em qualquer outra parte do mundo, o retorno do capital aplicado no longo prazo é maior do que o retorno da aplicação do capital de giro curto: o que torna mais atrativos, ainda, os ativos formados no segmento de concessões e concessões sob PPP.