O Brasil é um dos poucos países do mundo onde o benchmarking dos projetos de concessão fornece um material muito rico para os interessados na discussão não apenas jurídica e institucional das operações com a parceria privada, no âmbito dos projetos de infraestrutura.

Curiosamente, é o que menos estudos têm merecido apesar do vasto track records que ele possibilita.

Afinal, a primeira exploração econômica para ocupação da então colônia brasileira, se deu sob o que se poderia chamar da Lógica da Produção Concessionada (LPC): com direito a lances de outorga direta para a exploração do pau-brasil, a fixação das outorgas indiretas sobre a produção concessionada, e a exigência de QID (ou de Service Level Agreement, SLA) cuja execução e acompanhamento deveria se fazer através do que hoje se chamaria de Auditor Externo Independente (ou o Corregedor da Metrópole Portuguesa no Brasil Colônia).

Com a independência, e durante todo o II Império, adotou-se a mesma LPC: e se multiplicaram os investimentos em infraestrutura por quase TODOS os segmento da infraestrutura econômica que até hoje constituem o acervo dos projetos mais modernos (?) de Concessão, ricos em approach legal e institucional, mas visivelmente, muito mais pobres e pouco criativos em termos de criação de Modelos de Negócios que poderiam (como naquela época) terem acrescentado mais valor e mudanças tecnológicas do que hoje se tem acrescentado.

Afora isso – notadamente agora que se descobriram (sic) mercados de concessão de bens de uso comum (como florestas, reservas e parques temáticos ou não) –, uma série de outras iniciativas em áreas extra operacionais foram então conduzidas e utilizados mecanismos acessórios ou alternativos às concessões – como as permissões e comodatos de uso oneroso ou mesmo as operações de direito real de uso de ativos do Poder Concedente, e que foram realizados naquele período, tais como a implantação do Elevador Lacerda (na Bahia, em apêndice às operações de mobilidade urbana dos primeiros bondes à força animal e depois via a eletricidade) e próprio Bondinho do Pão de Açúcar, na então capital do Império (um caso interessante foi o do Primeiro Zoológico, ainda na época anterior, da Família Real Portuguesa, iniciativa que gerou a introdução do “jogo do bicho”, geratriz das atividades lotéricas sob concessão do Estado, ainda hoje existentes).

Temos, pois, benchmarking de operações nesse campo, desde 1530 (já que as atividades se iniciaram com a exploração econômica do país): e três grande ciclos de capitais predominantes a fazer o funding dessas operações.

O primeiro deles via o ciclo de capitais diretos do exterior (com participação coadjuvante do capital nacional, via os recursos excedentes gerados com o fim do fluxo da exploração comercial dos escravos e depois como os ciclos de exportação de produto primários como o ouro, algodão e açúcar), todos alavancados por capital de risco (em aportes de dinheiros e/ou via máquinas e equipamentos no capital de empresas concessionárias).

Seguiram-se a este ciclo o ciclo de nacionalização das concessões estrangeiras (primeiro via capitais nacionais e depois via a progressiva estatização da oferta da infraestrutura estatal, via encampação ou desapropriação pelo Estado)— esta quase sempre com recursos de base fiscal proporcionados pelos Tesouros Públicos, diretamente ou através de Fundos Fiscais — e a fase atual, pós-desestatização da economia, nos anos 90, com os projetos alavancados pelo setor público via o crédito parafiscal dos bancos públicos, notadamente, e com visão do projeto segmentado e não dos Negócios articulados, tais como se davam ao final do primeiro ciclo das concessões.

Na fase atual – que no escopo de uma análise retrospectiva – seria considerada como uma fase de transição para a definição de um Modelo de Negócios que tirasse partido da rica experiência de mais de 480 anos de experiência em atividades concessionadas, uma pergunta sobrevém:

Porque as concessões sempre tiveram solução de continuidade?

Qual o traço comum das quase 500 anos da experiência brasileira, com o que ocorre hoje nas concessões de Água na França – onde se quer devolver ao Estado a função operacional e não apenas normativa das concessões de Águas – e, mesmo, nas concessões de mobilidade urbana no Brasil, onde se discute o modelo de remuneração dos contratos como setor privado, vis a vis àqueles que vigoram para as empresas estatais que tem como acionista o Poder Concedente?

A VARIÁVEL CRÍTICA nos projetos de concessão é o PREÇO que remunera as concessões!

Por óbvio que o ordenamento jurídico, a Modelagem Econômica, o equilíbrio contratual, e tudo o mais que HOJE se discute prevalecentemente nos muitos foros de discussão sobre o assunto são importantes: mas, este fatores são coadjuvantes ao PREÇO de remuneração das concessões.

As TARIFAS DAS CONCESSÕES devem sempre remunerar os investimentos feitos e a operação e o reinvestimento dos ativos formados sob concessão: e os PREÇOS DAS CONCESSÕES, por seu lado, são impactados pela situação das economias que adotaram as concessões como ferramentas complementares para os esforços de investimento direto dos governos nas áreas sob concessão.

Foi assim nos três ciclos de concessão do país: a crise financeira mundial de 1891 que foi o prenuncio da crise econômica de 1929; ou a crise fiscal dos anos 30 e dos anos 90; ou a crise fiscal atual, que impacta porque cria perda de renda disponível real, alterando o custo da operação e o faturamento, enquanto os preços relativos dos Contratos de Concessão preveem cláusulas de reajuste inflacionário (aqui, ontem (sic) e hoje, e na França), como fatores externos às situações de desemprego, preços em alta e deprivação da renda real de QUEM PAGA pelo uso dos serviços de infraestrutura ofertados pelos projetos de concessão: os usuários finais, os clientes finais da concessão.

E aí está uma grande coisa a fazer com o benchmarking das concessões nacionais: EXIGIR que o Poder Concedente faça, ele mesmo, o que EXIGE do parceiro privado na concessão: contratos de Performance (SLA ou QID) para serem observados num TERMO GERAL DE OPERAÇÃO pelos dirigentes de empresas públicas onde o capital estatal ainda prevalece; GARANTIR tarifa justa para remunerar os investimentos e a operação (subfaturar premeditadamente as tarifas para ganho de votos ou para controle artificial de inflação , redundou no sucateamento dos investimentos estrangeiros no primeiro e no segundo ciclo das concessões no Brasil, e gerou o sucateamento da operação das empresas estatais, gerando perda da manutenção e a obsolescência dos investimentos e das inovações a serem incorporados nos projetos de concessão).

O que é exógeno à operação dos ativos, deve ser tratado exógenamente à operação: assim, tarifas diferenciadas ou gratuidades OU devem ser compensadas com aumentos de capital para as empresas públicas ou privadas que passam ter receitas menores e os mesmos custos de operação, OU via compensação dos tributos por parte das empresas que concessionam as atividades sob essa modalidade operacional.

Ou seja, isonomia: menos porque é mais justo mas, porque o usuário final das concessões não pode escolher alternativas que não aquelas que o Poder Concedente lhe oferece.

Ademais, quando se subfatura tarifas (para o operador publico ou privado), além de se premeditar a desorganização dos serviços de interesse público, se dilapida o patrimônio das empresas operadoras. E, portanto, gera perdas aos acionistas (minoritários ou não) dos parceiros privados, e secorrompe o capital social de empresas públicas, cujos recursos que as constituíram têm na maior parte das vezes, origem de natureza fiscal: ou seja, são transferências de renda entre pessoas e entes econômicos e, portanto, são empresas de interesse público inequívoco.