Em 1521, Dom Manuel I, o Venturoso, instituía o Regimento do Físico-Mor e do Cirurgião-Mor do Reino, ao mesmo tempo em que criava os Comissários-Delegados nas províncias (aí incluindo o Brasil).

A preocupação com a saúde também levou outros reis a criar estruturas e a introduzir melhorias voltadas a reagir ao quadro de insalubridade que se criavam nas cidades portuárias.

As cidades desprovidas de estrutura sanitária passaram a ser o veículo que também levava como trazia morbidades que redundaram nas pestes e endemias que emergiram. E levaram os Estados a recorrer até aos parceiros privados para realizar obras de manejo e tratamento das águas (como na França) ou a construção de dutos e encanamentos para escoamento de esgotos (como na Inglaterra e na Alemanha).

Ironicamente, Dom Manuel viria a falecer ao final daquele ano, vítima ele mesmo de um estado pestilento que grassou em Portugal…

No Brasil de então, os cuidados com as endemias de toda a ordem, apesar da determinação de 1521, poucos evoluíram: em 1789, quase 20 anos antes da vinda da Família Real, havia apenas 04 (quatro) médicos no país.

Após 1808, articula-se a primeira organização nacional de saúde pública no Brasil e é criado o cargo de Provedor-Mor de Saúde da Corte e do Estado do Brasil, embrião do Serviço de Saúde dos Portos, com delegados nos estados.

Dom Pedro II, em 1853 inicia a Concessão Pública do Serviço de Esgotamento Sanitário, com a criação, da “The Rio de Janeiro Improvement and Company”, a atual CEDAE. E torna o Brasil a terceira cidade do mundo (após Londres e Hamburgo) a contar com o tratamento de esgoto.

A expansão da economia e do comércio importador e exportador gerou aqui, todavia, o que havia sido gerado nas principais nações da época: proliferação e porta de entrada de endemias como o cólera, as pestes e outras morbidades, além de somar a elas as doenças tropicais que eram trazidas (sic) do interior do país, com as mercadorias e pessoas envolvidas na precária logística de transportes da época.

Mesmo com o cenário logístico mudando radicalmente com as concessões privadas das ferrovias (a partir de 1852) e dos portos (a partir de 1869), a concessão do esgotamento sanitário não foi suficiente para continuar a reforçar o ruinoso atributo que a morbidade brasileira criava notadamente junto aos estrangeiros que passaram a vir para o país, em decorrência da abertura de oportunidades de negócios locais e da área de comércio e de serviços.

Com efeito, a fama de “Túmulo dos Estrangeiros” ou de “Cemitério dos Estrangeiros”, assustava e afugentava investidores e seus investimentos, desde a época do II Império até o início da República: tanto mais com “o advento simultâneo de 03 (três) pragas” (sic): as mortes por febre amarela e malária (com o ancestral do AEDES EGYPT, o CULEX AEGYPT, que entre 1897 e 1906 matou 4.000 imigrantes), a peste bubônica e as mortes por varíola.

O presidente Rodrigues Alves, em seu primeiro mandato (de 1902 a 1906), entende que para superar as dificuldades econômicas e sociais que geravam os “nós da economia da época” (sic) era preciso agir sobre dois aspectos inter-relacionados: a ocupação caótica do espaço urbano (para o qual convidou o arquiteto Pereira Passos) e a questão sanitária dele decorrente (para o qual convidou o médico sanitarista Oswaldo Cruz).

Isto implicou em adotar uma estratégia de caráter intervencionista para mudar radicalmente tanto o desenho ou o recorte urbano como as condições de insalubridade no uso e ocupação de habitações ou sub-habitações então vigentes.

Ou seja, num contexto de emergência de reformas profundas, a metodologia de intervenção incisiva levou a greves, protestos, queimas de colchões e pertences nas habitações desconformes, e na obrigação da vacinação e isolamento dos infectados pelas doenças (sic) nas intervenções realizadas.

No campo da Saúde, a estratégia da malária e da febre amarela, deu os resultados esperados. Na busca pela extinção dos ratos para conter a epidemia da peste bubônica, a ideia de se pagar pela sua captura levou ao aparecimento de um negócio lucrativo: a criação de ratos a serem comprados (sic) pelo estado.

Já a obrigação de se tomar a vacina contra a varíola, e exigir os atestados para uma série de obrigações civis (casar e votar entre outros) criou o estopim que redundou na “Revolta das Vacinas”.

Os resultados finais deram a Oswaldo Cruz o reconhecimento mundial e nacional, pela erradicação da febre amarela no Rio de Janeiro (àquela época), mercê dos métodos com que passou a abordar a questão sanitária, como o registro demográfico, possibilitando conhecer a composição e os fatos vitais de importância da população; a introdução do laboratório como auxiliar do diagnóstico etiológico; e a fabricação organizada de produtos profiláticos para uso em massa (vacinas).

Ironicamente, como o rei Dom Manuel, Rodrigues Alves morreria 20 anos antes de assumir seu segundo mandato (ou de beribéri ou de febre espanhola)…

Mutatis mutandi…as preocupações com as questões de Saúde emergem no Século XXI.

E reaparecem muitas das situações daquela época: necessidade de reformas urbanas e uma calamidade na oferta de mobilidade e de moradias nas grandes áreas metropolitanas do país. Por outro lado, gargalos na infraestrutura e na prestação de serviços públicos: entre eles, o mais vergonhoso para quem já teve o título de 3ª cidade do mundo a inovar nas técnicas de esgotamento sanitário, o déficit de esgoto e de tratamento adequado de águias e esgoto.

E a generalização das Concessões de Águas e Esgoto, continua a marcar passo não obstante a sua urgência e unanimidade técnica.

E, por fim, mas por certo não por último, a ampliação da exclusão e das desigualdades de renda (e uma abissal e inconsequente oposição entre o capital e o trabalho que remonta às velhas situações da Idade Media).

O pano de fundo?

Tudo que é intangível – como a Saúde – se desmancha no vazio das prioridades de ESTADO (muito além de meros governos e pseudos governantes fortuitos, os fake leaders).

O risco?

Voltar a ser o Túmulo ou o Cemitério… dos próprios brasileiros…