Não há como negar dois fatos importantes no atual cenário mundial. Particularmente, nas economias da América Latina.

De um lado, a necessidade de ajustes fiscais (seja para custear benefícios fiscais, seja para ajustar níveis de endividamento e gastos correntes maiores que crescem mais do que as receitas correntes). E, de outro, a pressão das desigualdades de renda, num contexto de economias deprimidas e sob severo ajuste fiscal continuado.

Estamos sob ajuste fiscal continuado desde 2015: tão severo e bem sucedido que existe uma “deflação mascarada”, marcada preços relativamente estáveis, notadamente na área de produtos e serviços sob preços livres.

Até os juros “selicados” estão a sinalizar juros reais cada vez mais baixos na economia.

A reação do produto nacional, no entanto, ainda é pífia.

Em nossa vizinhança, o governo chileno, de inspiração econômica em boa parte similar ao argentino (até este final de semana) ou ao brasileiro, aponta com a desoneração de tarifas de energia e transportes públicos para desonerar os orçamentos dos que estão nas ruas.

Somos, no Brasil, uma economia colonial concessionada, que passou por um período de 49 anos de uma economia independente cujas concessões públicas do II Império explicam a implantação da malha original de infraestrutura de toda a ordem implantada no país e que já passou por três surtos de choque de preços das concessões públicas que explicam, cada qual a seu tempo e circunstância, a causa comum de seus ciclos de expansão e declínio: a defasagem dos preços que remuneram investimentos e mantém a operação.

Os preços e os desajustes fiscais do advento da república, explicam as encampações e a criação de ojeriza ao primeiro dotador primal de infraestrutura, o opexista do capital estrangeiro, predominante nos transportes urbanos, na oferta de energia elétrica e do gás, nos meios de comunicação de voz pela telegrafia e telefonia, da operação dos portos privados, da navegação de cabotagem e, até, pelo preço da mais importante e defasada oferta de utilidade que o país demanda desde a criação da “Rio de Janeiro Improvement and Company” (a atual CEDAE).

Prenunciando a encampações e a estatização dos anos 40 a 50, na oferta de utilidades públicas e, depois, pelo aprofundamento do modelo do “tripé” econômico dos anos 70 que aprofundou o já atávico e ancestral papel do Estado na economia brasileira, até para reforçar que o pais era “um mar de tranquilidade” face aos efeitos da emergências os choques de preços de petróleo e juros preconizados pelo III PND – uma prévia igualmente visionária e desastrosa da “marolinha” dos anos mais recentes, criada pelo imaginário escapista em tratar choques adversos internos e externos – as contenções de preços e tarifas acabaram por afastar, erodindo, as economias de investimento de empresários privados nacionais e estatais em setores como a produção de matérias primas, bens intermediários e insumos, ou na produção das utilidades públicas em áreas de infraestrutura básica, mercê do congelamento de tarifas públicas, respectivamente.

O terceiro ciclo mais recente se deu pelo advento das Lei Geral de Concessões, em 1985, e da sua extensão para as concessões administrativas e patrocinadas que emergiram sob a égide da Lei de Parcerias Público Privadas, de 2014.

A nova formulação implicou num arranjo interessante: trouxe de volta os capitais estrangeiros (que são sempre predominantemente vocacionados para a operação, como nos primórdios da II Economia Imperial) – que aportaram novas tecnologias em setores como as telecomunicações de voz, dados e imagens e em outras áreas como a prestação de serviços financeiros – e os grupos privados nacionais, ancorados na tradição da construção de obras públicas de grande porte, marcantemente vocacionados para a construção e formação de ativos nas áreas de rodovias, energia, transporte urbano de massa (incorporando ativos às tecnologias ofertada pelos parceiros estrangeiros, como nos primórdios do transporte (metropolitano) subterrâneo ou de trens urbanos).

Prevaleceu, infelizmente, o viés capexista reforçado pela anacrônica Lei de Licitações, que subverte a qualidade ao preço e releva o tamanho do grupo empresarial em detrimento da capacidade de operação dos ativos a serem formados: o grande nó górdio que enviesou o foco eminentemente opexista que deveria prevalecer ao foco marcantemente capexista da formação de ativos de infraestrutura no país.

Um corolário natural (sic) foi concentrar nas mãos de um único tomador, as funções distintas de construir, operar/manter e financiar os ativos de infraestrutura. Corroborado por uma matriz de investimentos que privilegia as garantias corporativas à qualidade e certificação dos Direitos Emergentes de Concessões (um ativo a receber, de legítimos efeitos comerciais, de origem não-financeira e capaz de ser ancorado por instrumentos de seguro de fazer e entregar) que é a fonte primária de financiamento de qualquer atividade produtiva, capaz de ser carregada em cotas de fundos de investimento ou em ações e partes societárias de emissão de capital primário.

As vicissitudes fiscais que se vêm acumulando, podem levar a um risco operacional maior das concessões para aplacar a pressão das ruas, mercê das iniquidades e desigualdades que se multiplicam mundo afora.

É um assunto a fazer parte dos corolários de palestras, seminários, livros e teses que não possuem, via de regra, uma visão macroscópica do processo de formação das concessões em nosso país. E, igualmente, subestimam ou sequer consideram fatores de risco outros às concessões que não somente os riscos de contrato, de governança e compliance, em ativos que vão por até 30 anos ou mais, navegar em um mundo em plena transformação como o que se apresenta para esse segundo quinto do século XXI.