Chama a atenção nos diversos painéis dos vários seminários e encontros em que se debate o futuro mais imediato do país, que se fale tão pouco sobre a situação fiscal dos governos da União, Estados, Distrito Federal e os Municípios.

Estes ditos entes federados, por outro lado, são os principais atores – passivos ou ativos – quando se fala em retomada: até porque, um dos fatores de aceleração contínua e permanente de qualquer retomada no país, passa – necessariamente – pela retomada de obras em infraestrutura de toda ordem (social, econômica, de mobilidade urbana, e daí por diante).

Desde a crise da dívida externa nos anos 80 do século passado, que o país desenvolveu um expressivo esforço para conhecer os números da situação fiscal do país: foi uma imposição benvinda dos credores externos através dos comitês de dívida, e das agências supranacionais de crédito financeiro e econômico (como o FMI, BIRD e BID) e das agências privadas de risco (como as (por vezes) claudicantes e inseguras três irmãs).

Fato é que se formou um apreciável estoque não só de dados, mas, sobretudo, de informações sobre o Setor Público, o que se consolidou com a implantação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que é – ou que deveria ser – o grande farol a iluminar a trajetória fiscal do Setor Público, notadamente durante a longa travessia de 30 anos (de 2000 a 2030), que foi o prazo estabelecido para que os entes federados quitassem os compromissos do GRANDE E DEFINITIVO AJUSTE FISCAL que se imaginava ter, então, realizado.

A verdade é que, embora o salto qualitativo inegável dado com o Plano Real em muitas áreas, no campo das contas públicas, em menos de 12 anos, a situação fiscal se deteriorou, não obstante dois fatores até então inexistentes nos cenários econômicos do país.

De um lado, o país teve a seu favor um crescimento da economia internacional que o favoreceu largamente na geração de excedentes, atração de investimentos, captação de poupanças externas especulativas ou não, e daí por diante.

E, de outro, o grau de informação sobre os agregados fiscais, pela primeira vez podia passar a detectar – como de fato passou de fato – desequilíbrios e instabilidades, mercê dos instrumentos de GESTÃO FISCAL introduzidas pela LRF, tais como o Relatório Resumido de Execução Orçamentária, (RREO) e o Relatório de Gestão Fiscal (RGF) – somados aos instrumentos de Orçamentação – notadamente a Lei de Diretrizes Orçamentárias, a LDO e seus dois Anexos, o Anexo de Metas Fiscais, AMF, e o Anexo de Riscos Fiscais, o ARF.

Com a competente capacitação dos técnicos formados neste espectro de tempo, podia-se prever – como, aliás, se previu e antecipou pelos instrumentos citados – as crises de liquidez fiscal tão grave como as que ocorreram com o Governo Federal (já a partir do segundo semestre de 2013), e em alguns governos estaduais (a partir de 2015 e 2016).

Ainda assim, é singular, que em muitas discussões sobre a atual situação da economia e de sua esperada e ansiada retomada esses estudos fiquem relegados a um plano subalterno…como se a retomada se pudesse fazer independente da situação fiscal do setor público…e, mais intrigante ainda, que no cenário de retomada de investimentos e elevação da formação bruta de capital fixo, com a respectiva atração de investimentos do exterior (sob a forma direta ou indireta), com a participação de capitais privados nacionais e – pasme-se – com o uso de Parcerias Público Privadas (PPP) e Concessões –, tudo isso se faça repita-se, com o Setor Público virtualmente…quebrado!

Tome-se, por exemplo, as Contas da União, pela regra da LRF.

Pela LRF, a relação entre o endividamento bruto da União não poderia ser superior a 3,5 vezes a sua Receita Corrente Líquida (a RCL, ou o equivalente ao faturamento Líquido de uma empresa, para facilitar o raciocínio): ao final de 2017, pelos dados do Tesouro Nacional essa relação era maior do que 6,4 vezes (ou 739%) entre a Dívida Bruta e a RCL ou de 3,2 vezes (ou 418%), se considerada a Dívida Líquida (caixa em bancos e aplicações que nem sempre são de fato líquidas e disponíveis para uso, por já terem destinação ou contrapartidas estabelecidas).

Há alguns fetiches por trás disso: “governos não quebram”, é o que diz o mercado!

O benchmarking do Rio de Janeiro mostra a falácia do argumento: diretamente, é o que se vê até hoje; indiretamente, os milhares de empreendimentos e pessoas atingidas pela onda de calote público; e de forma intangível (mas perversamente contundente e eloquente), os índices de violência e barbárie hoje existentes: imagine se os governos quebrassem (…).

“Os dados de pessoal” (máquina púbica) é o que explicam o caos: o RGF do Governo federal mostra que os Gastos Diretos de Pessoal estão abaixo do percentual de risco, ou o LIMITE MÁXIMO da LRF, que é de 37,9% da RCL: mas, se imputados os gastos com o Regime Previdenciário, a conta explode!

Ou seja: o país como um todo está ilíquido do lado fiscal: a sua RCL (que é a sua capacidade real e efetiva de pagamento), não paga as suas contas. Nem a despesa de Pessoal (se somada com a conta previdenciária) e nem seus compromissos com terceiros (Dívidas).

Pouco importa neste contexto a Dívida sobre o PIB (outro fetiche): o Japão tem 253% de Dívida em relação ao PIB; os EUA, 104,4%, o Reino Unido 88%!

O que importa é que, nenhum desses países, têm tão baixa capacidade fiscal de pagar suas contas como o Brasil!

O Estado tem que caber num Smartphone – como os bancos e outros organismos que realizam grandes volumes de transações e movimentam grandes volumes de recursos financeiros –, e há que se trocar Endividamento por Direitos de Concessão, por exemplo, a par de se retomar a renda disponível, pela correção de 20 anos da base de cálculo do Imposto de Renda das Pessoas Físicas, e a simplificação da arrecadação dos mais de 90 tributos existentes. E permitir desonerações de gastos com Educação e Saúde privadas, em patamares maiores do que os ridículos índices hoje permitidos,

A miopia fiscal não permite perceber que, com maior renda disponível, aumenta a formalização das relações de trabalhos (para haver usufruto das desonerações), e maior volume de arrecadação ao longo do tempo, porque, TODOS passam a pagar imposto e não apenas quem está nas relações formais do mercado de trabalho e da produção.

Será que esses assuntos vão ser discutidos pelos 200 presidenciáveis que estão postulando chegar ao Planalto? Ou a imprensa e os partido políticos e a opinião pública vão cobrar essa elucidação desses incautos (pois que muitos deles desconhecem o tamanho da encrenca em que estão se metendo)?