Ao contrário do que tem sido tão decantado, talvez o maior adversário para a purgação do patrimonialismo que o novo ministro da fazenda quer ver escorraçado da vida nacional, não venha afinal do chamado campo político.

Nem da cozinha (ou dos porões) do palácio – o tão propalado “fogo amigo” – nem dos inimigos da oposição.

Aliás, a bem da verdade, boa parte dos donatários e beneficiários do patrimonialismo estavam alí mesmo – na frente do ministro, quando ele começou a passar do plano das ideias e a identificar as sete cabeças da hidra que ele se tinha propalado a combater: ou seja, na plateia que ouvia em silêncio a minuta de elaboração do necrológico que o novo ministro começava a delinear no seu discurso de posse.

Ou seja, tudo o que era imputado ao Tesouro Nacional – do qual ele passava então a ser o guardião – e que não fosse, a rigor, despesa a ser atribuída àquele ente cujas portas estão sempre abertas para as bondades a serem cometidas pelos governantes (sempre em nome de uma boa causa).

As “bolsas” (até então) sem fundos, voltadas a alavancar o espírito animal do empresariado nacional – que até então saudava orgulhosa a ascensão do novo titular das contas públicas, bradando o discurso da austeridade, esta qualidade tão ausente dos nossos governantes – do BNDES e dos demais bancos púbicos, depois equalizadas com a emissão de novas dívidas para manter a sua perpetuidade mal sã; assim como as “bolsas” que desperdiçavam recursos pelo seu regramento generosa, que podia fazer com que se trabalhasse seis meses por ano recebendo dos patrões (e barões) ali assinalados, e depois se passasse seis meses recebendo do Tesouro um auxílio desemprego que havia sido incorporado como um 14º salário além dos 13 da lei e “aquelezinho” do PIS, a cada aniversário, de cada sócio oculto do Tesouro.

Mas, por favor, seria mesmo necessário aumentar a TJLP e os jurinhos do PSI?

E as “bolsas” setoriais? Como é que ficam?

As do setor elétrico, por exemplo, em boa parte criadas para fazer a limonada sem limões, da luz mais barata na produção e no consumo residencial? Afinal, uma visão da dona da chave do cofre do Tesouro (pelo menos até o governo recém-terminado?

O consumidor residencial que comprou mais com as desonerações da linha branca e das facilidades de obter recursos (via o crédito sempre caviloso dos cartões e dos crediários), já escaldado se prepara para arcar no lombo com o pagamento do papagaio levantado no Planalto e avalizado pelo Tesouro junto a bancos para garabtr o pagamento da diferença dos preços pagos e recebidos entre a geração e a distribuição: elels não podem, como os consumidores não residenciais, simplesmente deixar de produzir e vender a energia velha contratada em grandes lotes no mercado organizado e revender o despacho no mercado livre, por uma bagatelazinha de 3 a 4 vezes de diferença.

Assim como, na nova rodada para sustentar a roleta russa da luz (quase) de graça, quem irá financiar a diferença de preços relativos serão os velhos bancos públicos (resta saber se com o dinheiro do sempre velho e camarada Tesouro Nacional).
E os empresários do ensino privado, como é que ficam sem a turbinada do FIES em seus projetos de fusões e aquisições tão ricamente decantados?

Assim como muitos outros capitalistas que não usam seus capitais (ou porque não têm ou porque não está no DNA de seu decantado espírito animal), ficava fácil vender as carteiras futuras de alunos, pois o risco de crédito de suas carteiras era afinal, bancada pelo Tesouro Nacional…

Como?

Para os financiadores do “boom” das grandes conglomerações de ensino, bastava mostrar que as suas anuidades – antes que o aluno terminasse os cursos e passasse a pagar suas “bolsas FES” ao banco do Brasil – quem pagava as mensalidades era o Tesouro Nacional (diretamente, ou quando não tinha caixa, através de adiantamento do caixa do Banco do Brasil).

É claro, que na “remotíssima hipótese” do Tesouro não vir bancar a arbitragem ou diminuir a sua cota parte nesta gincana, era preciso assinar os malditos “covenants” – ah, essas perversidades dos fundistas e rentistas do capital financeiro…sempre fatalistas –, para resguardar os riscos dos recursos de terceiros aplicados nesses empreendimentos educacionais.

Mas, afinal, este mecanismo não foi engendrado para permitir a universalização do ensino superior, meta de tantos governantes, desde a época dos primeiro estudos mostrando a correlação positiva entre ascensão social e diploma de curso superior, nas priscas eras do Brasil Grande?

Pois é…já diziam aqueles que haviam notado, nas ante salas do inferno, que haviam milhares de bem intencionadas almas a purgar o calor que só existe igual nas praias cariocas ou nas tarde paulistanas deste verão saariano.

Mas, sem nada exigir de qualidade em troca, os lucros obtidos com as megafusões de plantas educacionais nunca foram utilizados para ajudar na equalização das taxas existentes entre o que se capta para robustecer o caixa do Tesouro e o que se cobra dos alunos, por 3 vezes mais de tempo, do que levaram para cursar suas faculdades…

Afora estas pequenas “despatrimonializações” periféricas, há outras a caminho: por exemplo, para fugir dos encargos sociais, empresas de prestação de serviços (as chamadas “pejotinhas”) foram criadas e se tornaram corriqueiras para sustentar as relações de emprego entre profissionais com capacitação e perfil técnico de várias áreas – de jornalistas a economistas, passando por profissionais de TI, da área de publicidade e propaganda e muitos outras), para que trabalho “semi assalariado” não pagasse os encargos dos demais prestamistas que alugam sua força de trabalho a empresas de toda a ordem, e fossem taxados com os módicos 27,5% que o IRPF destina democraticamente aos celetistas deste país.

Ou sja, sem mexer em impostos, passar de 1,5% de desconto do Imposto de renda retido na fonte (IRRF) sobre as notas de prestação de serviços dos “pejotinhas” para alguma coisa entre este valor e os 27,5% pagos pelos celetistas, há uma baita fonte de recursoso fiscais a fazer inveja a qualquer outra fonte fiscal de poupança primária…

Esta “bolsa” terceirizada deve acabar (como, aliás, já se ameaçara, há muito tempo, se fazer): só que agora há um “exterminador” de patrimonialismos legitimado muito menos pelo governo e pelas forças políticas de plantão do que pelos beneficiários de outros patrimonialismos de que é pródiga e farta a economia brasileira.

Ou seja, por trás de toda distorção patrimonialista, há, de fato, uma omissão distributiva que se pode corrigir de duas formas: a curto prazo, se os atingidos não chiarem muito e permitirem cortar na própria carne, pela redução dos desaforos fiscais que elas engendram eis que, via de regra, cevadas são pelo Tesouro (operacionalmente) e pela inflação e pelo endividamento público na falta de poupança fiscal primária, que delas são irreversivelmente resultantes.

A longo prazo, pelas reformas estruturais que nunca chegam: por trás dos descalabros das “pejotinhas”, por exemplo, está o perfil regressivo do modelo tributário que onera a produção e renda de salários (e, portanto, o consumo das famílias), para preservar de ônus o patrimônio e a renda das grandes fortunas e dos estoques ociosos de riqueza.

Mas, aí, convenhamos, é preciso ver se os que avalizaram o exterminador de patrimonialismos, a ir de fato tão fundo nesta segunda etapa (se à uma primeira etapa ele sobreviver), para costurar e superar vícios fiscais que a economia e a política brasileiras trazem arraigadas há tantas décadas, e quase tão velhos quanto este filme que se assiste agora, para deleite das viúvas contumazes do Tesouro Nacional.

Só quem continua a sorrir, feito lagarto (ou a serpente da hidra), é o setor financeiro: até que o exterminador patrimonialista abra as asas e voe (sobre) lá.