Mais de 23 anos depois dos primeiros contratos de concessão, e quase 15 anos depois das primeiras contratações dos projetos de concessão sob o instituto das Parcerias Público Privadas (as PPP), um ponto deveria merecer maior reflexão.

Apesar da existência dos chamados Conselhos Gestores, o enfoque predominante do Poder Concedente na gestão das concessões é, ainda (e predominantemente), setorial.

Ou seja: projetos de concessão em seu mais amplo espectro, geralmente “não falam” ou não “se comunicam” entre si.

Aliás, nas conversas sem o glamour espetaculoso dos Seminários e Fóruns sobre o assunto, boa parte dos gestores públicos admite que até o passado mais recente, o uso das concessões (notadamente das concessões sob PPP) têm se dado muito mais em função da falta de margem orçamentária para a execução de obras e serviços sob os desígnios da Lei 8.666 do que pela convicção de que as diferentes formas de concessão são a revolução (sic) que faltava para dinamizar a gestão de projetos públicos no país.

Hoje, mesmo com o esfarelamento das margens fiscais e com o atrofiamento da arrecadação – e a consequente hipertrofia da capacidade de investimento da administração direta e das demais estruturas da administração indireta, de empresas e fundações a institutos e autarquias – a preferência pela ampliação das margens de endividamento bancário (público, privado ou institucional) é ainda preferencial vis a vis às decantadas possibilidades de compartilhamento de riscos e responsabilidades com o setor privado via as modalidades de concessão existentes.

Por outro lado, quando ocorrem, como no caso recente do igualmente glamoroso e espetaculoso “boom” das erroneamente chamadas PPP de Iluminação Pública – ou das falsas concessões de transporte público de transporte de massa via ônibus, ou de mobiliário urbano entre outras tantas deformidades conceituais sempre muito em voga entre os “operadores” institucionais das concessões – o que se vê é a transformação de contratos de fornecimento de bens e serviços públicos em embalagens de diferenciadas (embora limitadas) formas de concessões: sim, porque, em essência além das chamadas concessões plenas (sob a égide da Lei da s Concessões de 1995) e das chamadas concessões sob PPP (a partir da Lei das PPP de 2004 e de seu “remake” em 2013), pouco se faz, se sabe ou se concebe de outras formas igualmente tão evoluídas ou derivadas das modalidades de concessões, expressas pelas “sopas de letrinhas” das concessões nas modalidades de BOT, BOO, DBFT e DBFO.

No caso das PPP de IP (e haja letrinhas…), a volúpia se dá porque a fonte primária dos recursos que seriam usados como lastro para os projetos de infraestrutura de iluminação pública INDEPENDEM da situação fiscal dos municípios que as promovem.

Afinal, os recursos das COSIP ou CIP são confiscados mensalmente pelas distribuidoras de energia para Fundos de Iluminação Pública (FUNDIP), apartados da contabilidade municipal (e aí EM TESE defendidos de pedaladas fiscais ou de arresto de recursos em caso de dificuldades judicias dos entes federados municipais), e a não ser pela perversidade do reajuste dos custos mensais de uso da energia podem (também EM TESE) se constituir no sonho dourado dos operadores institucionais de concessão, por se mostrarem infensos a riscos (epa!) para os investidores privados e seus financiadores tradicionais.

Como a política é cada vez mais a arte da prestidigitação – e dela depende também em boa parte a “entourage” dos operadores institucionais das concessões e similares –, cria-se a ilusão que prefeituras à beira de um ataque de nervos fiscais disponham de lastro próprio para promover monumentais contratos de fornecimento de trocas de lâmpadas (maquiados por centros de gestão de operação e controle, que são apêndices óbvios e deles intrinsecamente resultantes, para serem travestidos de PPP ou similares), como se fossem as nova “pedras de toque” ou as “pérolas do Nilo” das modernosas gestões municipais.

A busca elas operações em risco lastreadas em recursos de caráter público, mas, de natureza não fiscal, faz com que os atores principais dessas operações sejam grandes construtoras e fornecedoras de lâmpadas e não operadores de rede elétrica, ou seja, aqueles que irão colocar a mão na massa (ou nas lâmpadas, fios e luminárias, no caso).

Grandes estruturas e grandes fornecedores que mobilizarão grandes somas de recursos do distinto contribuinte, para justificar o injustificável: deixar nas mãos de “um único grande player” a responsabilidade pela gestão de uma grande rede que cobre cidades e metrópoles inteiras; e que poderia, por isso mesmo, sob o conceito da rede que cobre todo o espaço urbano, ser o móvel para gerar valor e integrar serviços que também trafegam e demandam redes para transportes de imagem, voz e dados, para suprir de serviços variados a cidade e seus habitantes (aí, sim, num verdadeiro conceito que expande porque extravasa o mero suprimento de lâmpadas e seus aparatos, e justifica uma estruturação com DNA típico de concessões).

Mas, o mesmo viés setorial das “PPP de IP” se nota quando em um mesmo espaço urbano, atividades correlatas como concessões de operação de ônibus, construção de corredores para sua movimentação, sinalização de vias (com semáforos e outros itens como placas e estacionamentos em vias públicas), mobiliário urbano em estações s e terminais intermodais de transporte de massa e até acessórios de mobilidade como ciclovias e veículos de deslocamento de pedestres são abordadas como projetos isolados, como não tivessem quaisquer sinergias, desconsiderando-se (assim como no caso das lamentáveis PPP de IP) as possibilidades de geração de caixa mediante outorgas diretas e indiretas para o Poder Concedente, quando se “linkam” estas atividades e se pode exigir como contrapartidas de concessionários realmente empreendedores e seus financiadores, retribuições e contrapartidas permitidas pelas amplas possibilidades de uso correto e rentável do espaço urbano.

Não se usa a possibilidade das concessões e suas amplas possibilidades de intervenção como um verdadeiro “veículo” para se exigir transformações do “que” é feito, do “como” é feito e “do que” se irá se devolver ao final das concessões como verdadeiro legado das intervenções compartilhadas.

As concessões, em boa parte, têm se bastado em si mesmo como uma simples troca do “fazer pelo agente público” pelo “fazer pelo agente privado”.

Mas, como dito, os agentes públicos – no escurinho do cinema — preferem o endividamento dos seus habitantes a investimentos com seus parceiros privados: é mais “fácil” (até porque hoje isto é facilitado como moedas de troca para apoios políticos pouco defensáveis à luz do dia, para manter mandatos ou dividir loteamentos políticos), além de ser mais rápido, e na exigir as complexidades das estruturações das concessões e de seus rituais (sic) incomodativos (como as audiências e as consultas públicas, por exemplo). E, por isso mesmo, mais rápidos … já que os caminhos sempre tortuosos e íngremes das licitações convencionais, já são por demais conhecidos e maceteados…

Por outro lado – e até aqui isto é latente – a parte mais importante das estruturações de concessão é sublimada ou colocada num nível secundário ou terciário de preocupações do Poder Concedente (quando e se tanto).

Trata-se da parte intangível (ou menos perceptível e espetaculosa das concessões): o impacto do “como fazer” dos projetos de concessão.

Em todos os casos citados neste artigo (e nos que são objeto dos 02 decênios e pouco das concessões), qual a herança qualitativa que se deve esperar das concessões?

Há dois níveis irrecorríveis: o que mudou, de fato, no “processo de fazer” ou de gerar os serviços que foram o objeto das concessões; e o que se “adicionou de valor” na “gestão” dos ativos sob os regimes de concessão?

As tecnologias utilizadas para multi-mobilidade de todas as formas, prestação de serviços de saúde, de educação, de prestação de serviços de interesse público de energia, telecomunicações…o que mudou?

O que se inovou na geração de valor dos serviços concessionados?

A qualidade da mão de obra empregada para fazer ou para gerir, ou as pesquisas e o desenvolvimento de produtos e processos, de fato deu um “salto de qualidade”?

Afinal, ao fim e ao cabo das concessões (algumas estão sendo renovadas sem apresentar esses balanços de melhoria, como nas áreas de energia e de rodovias), se os concessionários na tiverem mais interesse; ou se a qualidade do que fizeram não foi adequada, até que se faça uma nova licitação, o Poder Concedente deverá reassumir ativos, pessoas, e as estruturas operacionais e gerenciais formadas no período de concessão.

E aí? O que as Agências de Regulação terão a atestar e a assegurar (além de necessários e recorrentes reequilíbrios de preços para manter a economicidade e atratividade das concessões)?

Ou seja, apesar da vontade dos operadores institucionais das concessões – entendam-se, aqueles que não assumem riscos diretos nas operações como os empreendedores e o Poder Concedente, mas, que prestam serviços para estes atores –, há um período de clara inflexão na “curva de aprendizado” das concessões.

Principalmente porque o período de ajuste macroeconômico (e a turbulência política) assim impõe no curto prazo.

Por outro lado, o Poder Concedente, como já reiterado, na sua visão imediatista, prefere o endividamento das unidades federadas a se debruçar seriamente sobre alternativas de compartilhamento de riscos e de oportunidades com os agentes privados.

Quando aborda os investimentos – quer sob a ótica imediatista, quer sob a ótica estruturante das concessões – de há muito mantém uma “visão horizontal” de atuação (pois sequer se pode dizer que há planejamento de suas ações). Ou seja, inexiste uma “visão vertical” – que permite “matriciar” intervenções a partir de efeitos comuns e multiplicadores – o que é fatal quando se tratam de projetos de intervenção de longo prazo como o são os projetos de concessão.

Daí querer mudar a curva através do espichamento (sic) do ponto…ou se arrastar o ponto para que o ponto se transforme em curva…o que melancolicamente acontece principalmente em cidades de grande porte.

E, cujo maior defeito visível (porque os invisíveis só aparecerão na execução), é querer travestir contratos de fornecimento devido à sua grande escala de suprimento, sem atentar para suas sinergias com outras intervenções que lhes antecedem ou sucedem em geração de valor, pagando pelo fornecimento de soluções quando a consideração dessas suas sinergias poderia redundar em recebimentos pela geração de receitas complementares ou acessórias derivadas de sua implementação.

Se nos projetos isolados de fornecimento isso não tem nenhuma grande importância, nos projetos estruturantes, é a diferença que pode redundar ou em ganho de caixa direto para o Poder Concedente ou em ganho que o Poder Concedente pode pedir como contrapartida para diminuir o custo da oferta de serviços de interesse público, direta ou indiretamente, para o usuário final desses projetos.

Não por mero acaso, um dos principais resultados que motivam o uso das operações de concessão (notadamente das concessões sob PPP) como instrumentos relevantes de gestão pública.