Sou de um tempo onde o maior desafio do setor financeiro era o de originar operações.

Era no século passado… meados dos anos 70… em pleno “milagre brasileiro”… eu buscava estágio e estava encantado com os tais “bancos de investimento”… os então merchant banks…ou os investment banks…e os bancos de fomento e desenvolvimento (são coisas distintas)…todos diferentes dos bancos comerciais…porque se diferenciavam – não por serem públicos ou privados — mas, por buscarem “originar operações” diferenciadas…

Em essência, trazer para o “mercado” que se expandia a 7% e a quase 12% ao ano…novos empreendimentos…alavancar empresas que se mostravam capazes de surfar na onda que crescia na produção de bens e serviços, para a exportação ou para o mercado interno, a partir da abertura de capital pela emissão primária de ações no nervoso e volátil mercado de bolsa (no pregão e no balcão)…por debêntures conversíveis em ações (ou não) após o ciclo de way out dos investidores iniciais…o tal do “seed money”…em novos investimentos – ciclo de investimentos – aproveitando que as linhas de empréstimos em moedas estrangeiras (Resolução 63 e Lei 4131) tinham longos prazos de permanência no país até que os juros e o principal dos recursos captados sob a forma de dívida fossem liquidados aos dotadores originais dos empréstimos, que tinham como lastro primário a capacidade de geração interna de retorno das atividades que receberiam os investimentos (alavancadas ou não por empréstimos)…e como colateral — quando se tratava de captações no exterior por 10 ou 12 anos ou mais…os avais dos tesouros federal, estaduais (sim) e municipais (siiim)…pois que haviam superávits fiscais e poupanças fiscais líquidas na economia que revivia o período de “golden age”…depois daquele vivido nos Anos 50…no mundo e no Brasil…

As reformas (ou a maior parte delas) propaladas desde os Planos de Pós Guerra (SALT, ABBINK e outros) assim como os que foram elaborados nos ciclos de planejamento nacional, via o Plano Trienal , o Plano de Metas, o PAEG Programa de Ação Econômica, e depois os Planos Nacionais de Desenvolvimento (os três PND) – porque o planejamento era louvado por ser a ferramenta primal que permitia “pensar antes de agir” – proviam o cunho institucional do ambiente onde se transpirava crescimento e desenvolvimento…

Profissionais do mercado e da academia se misturavam e trocavam e retroalimentavam valor…inclusive os meus ídolos e os de uma geração inteira como os Professores e Profissionais Ruy Aguiar da Silva Leme, Dênio Nogueira, Delfim Netto, Celso Furtado, Octávio Gouvêa de Bulhões, João Paulo do Reis Velloso, Mario Henrique Simonsen e o fabuloso Roberto de Oliveira Campos…

Nesse ambiente de homens e ideias em franca ebulição e evolução criativa, os mercados de crédito e de capitais passavam por uma transformação, até então, inédita…com a criação do Banco Central, da CVM, do Mercado de Open Market, da Dívida Pública, do lançamento de novos papéis títulos de crédito e de partes relacionadas… e do reordenamento das finanças públicas e da busca de novos tomadores para a farta e ampla liquidez de recursos internos e externos, de curto e médio prazo, que então havia.

O fundamento básico era buscar negócios que gerassem os retornos que cobrissem as expectativas de lucros dos investidores nos mercados de riscos e os serviços das dívidas (pagamento dos juros) junto aos mercados de dívidas.

Para tanto era primordial identificar dois elementos básicos: a capacidade de “fazer e entregar” produtos e serviços e a capacidade de “pagar” pelos recursos tomados de acionistas e/ou financiadores.

Aos primeiros, se necessário, acrescer seguros de performance ou de crédito; e aos segundos, a eventual necessidade de separar o risco de pagar do tomador de recursos ao risco de pagar se seus clientes (via a cessão de créditos a receber).

E atentar para um elemento adicional: a garantia eventualmente proposta JAMAIS poderia se confundir com a capacidade de gerar retorno dos empreendimentos, projetos ou iniciativas empresariais. Dito de outra forma: garantia corporativa não substitui a geração de recursos. A garantia é uma exigência formal que transcende a geração interna de recursos de uma atividade. Não é a garantia que TORNA o risco menor ou o crédito MENOS arriscado…

Voando no tempo…e o tempo passou muito rápido…não sei em que ponto deste tempo se perdeu esses fundamentos…e afloraram a ilusão dos contratos que mitigam (argh!!!) riscos…a segurança jurídica para proteger todo mundo dos riscos…as regulações cada vez maiores…o ideal de uma economia sem asperezas, uniforme, sem atrito…no vácuo (um prenúncio do terraplanismo financeiro?)…chegamos a um novo ponto na curva do tempo…

E a geração e a originação de novos riscos…. pensava eu…teria uma nova etapa, com o advento das operações de Concessão e Parcerias Público Privadas (as PPP)…

Mas, nesse desvão de 50 anos…entre o final doa Anos 70 e os atuais 20 anos do século atual…as garantias corporativas se sobrepuseram à única garantia negocial possível que é o retorno ou a geração interna de recursos das empresas…a alavancagem dos créditos suplantou a oferta de poupanças líquidas – dos governos e agentes públicos empresariais aos agentes privados — os juros e a renda fixa propiciada por eles suplantou a expectativa variável dos retornos sobre os recursos investidos…o juro do rentista superou o retorno do investidor…até no mercado de riscos…quem cria fundos o faz principalmente a partir da incorporação de cotas de fundos já existentes…e, portanto, com base em ORIGINAÇÔES JÁ EXISTENTES…

Ora, as operações de Concessões e de Concessões sob o instituto das PPP, referem-se quase todas à originação de NOVOS RISCOS…os projetos se baseiam em crescimento de oferta de ativos para sustentar operações que irão gerar retornos para pagar a formação dos ativos (CAPEX, em ¼ a no máximo 1/3 das rendas geradas pelo prazo dos contratos) e a operação dos ativos para custear a operação, manutenção e reposição dos ativos (OPEX, em no mínimo 1/5 a até 4/5 das rendas geradas pelo prazo dos contratos).

Esse perfil requer que se analise, primordialmente, a capacidade de OPERAR (OPEX) os ativos e se gerar as rendas futuras desses projetos; e subsidiariamente, a capacidade de GERAR (CAPEX) esses ativos.

Quem irá PAGAR (remunerando) a operação e usos desses ativos (a capacidade das tarifas e contraprestações): garantias sob a forma de COLATERAL DE FUNDOS GARANTIDORES não tornarão MENOR o risco dos projetos ou MENOR o risco de eventual default.

Mas a superestimação da demanda ou a sua ocultação (via as indecorosas garantias de demanda que serão pagas pelo subsídio público) pode fraturar de vez os retornos esperados dessas originações…

Esse perfil ao mesmo tempo induz a que se percecebam duas coisas: que o crédito (via juros subsidiados ou não ou via os juros reais de debêntures de infraestrutura) não é o mecanismo primal (senão subsidiário) para o custeio das atividades de concessões e concessões sob PPP: não há como “casar usos e fontes” ou “casar ativos e passivos” nessas operações. Nem que seja transitoriamente ou somente após o período de pré-investimentos, sob os auspícios das operações de finanças corporativas.

Ironicamente, o que se deseja insanamente das operações de crédito (e que as regulamentações do sistema bancário jamais permitirão) via o que se chama de Project Finance…são a natureza e a essência das operações de emissão primária de capitais ou via a compra de cotas em Fundos de Investimento em Partipação ou via Fundos de Securitização de Recebíveis: estes sim, os instrumentos por excelência a custear a implantação e operação de projetos de longo ciclo de retorno sobre os investimentos.

As operações de built to suit com prazos e perfil assemelhados às operações de concessão, fazem isso com precisão…as operações ANTERIORES à criação de FIDIC e FIP após 1994 – via a emissão de Certificados a Termos de Recebíveis (CTE) para a conclusão da implantação de Usinas de Porto Primavera, em 1993 e 1994)—, também.

Esses recursos eram denominados em REAIS e em KWH (permitiam o resgate a futuro, na BM&F em reais ou em equivalentes a KWH para as indústrias e serviços eletro-intensivos, que antecipavam os recursos via a compra e o entesouramento dos CTE e depois quitavam seus gastos com as utilities de energia, a termo).

Como se poderia fazer com as utilities nas áreas de saneamento e esgotamento (denominadas em m3 de água e esgoto tratado), petróleo e gás (em m3 de gás e petróleo), iluminação pública (em lúmens equivalentes), na construção comercial e civil (em m2 de áreas disponíveis), em equivalente de fretes (para ferrovias, portos e cabotagem), em mobilidade urbana (tarifas a termo), em telecomunicações (com bites a termo), tonelagem de produtos (para construção naval), e assim por diante.

Num panorama, de juros reais negativos (no mundo e talvez no país), só o retorno ativos das operações pode propiciar um ciclo virtuoso de recuperação das economias: no mundo desenvolvido, nos EUA, por exemplo, se forem retomadas as obras brown field da deteriorada infraestrutura ianque; na Europa, as operações equivalentes, em green field na parte oriental e as de brown field no lado ocidental; e na nos países (ainda) tardia e incansavelmente emergentes, como o Brasil, nas operações green field de concessões e PPP.

Mas, se e somente se, forem alavancadas pelo mercado primário e secundário de capitais. E, apenas subsidiariamente, pelos instrumentos tradicionais do crédito com funding parafiscal ou de outros papéis cujo objetivo seja prover renda fixa a seus tomadores…geralmente com discutíveis isenções fiscais e tributárias, o que a situação atual das finanças públicas por certo não recomenda.

Ou… daqui a mais 20 anos… se ainda for possível, voltar a se falar dessas reminiscências… saudosamente.