No dia 13 de maio deste ano, a Lei 3.353 – a Lei Áurea – completa 135 anos.

A sua promulgação, em 1.888, após 300 anos de exploração, libertou cerca de 700 mil escravos que ainda mantinham essa condição no país: ou seja, pouco mais de 14% de um contingente estimado entre 4,8 milhões e 4,9 milhões que aportou em solo brasileiro, desde o início da economia colonial.

O Brasil, como se sabe, foi o último país do mundo a libertar definitivamente seus escravos. E, ainda assim, sob os veementes protestos dos donos de terras e latifundiários que embora defendessem a adoção dos princípios libertários da Revolução Francesa para implantação da República no país exigiam, no mínimo, receber alguma indenização da Coroa, pela liberação do plantel de escravos que ainda era utilizado na produção em suas terras e propriedades.

O escravo era tratado como se fosse um investimento em ativo fixo: seu valor histórico era depreciado com o uso intensivo durante sua vida útil (havia até a cobrança de impostos entre as Províncias (os Estados de hoje) quando esses ativos (sic) eram transferidos ou vendidos entre os proprietários de terras das diversas regiões do país).

A libertação dos escravos – ou sua transformação do investimento fixo em custo variável de produção na forma de salários, por mais vil que fosse o salário – iria gerar o aumento do preço final dos produtos brasileiros que competiam no comércio internacional ou a redução de margem desses produtores, para sustentar a competição na colocação de produtos como o cacau, açúcar, algodão ou café (e mesmo os minérios e pedras preciosas, além do ouro).

Aliás, exatamente o que já acontecera com os produtos da Inglaterra, França e Holanda que concorriam com os produtos brasileiros por 200 anos pelo menos, e que se queixavam que perdiam mercado exatamente devido à manutenção do trabalho escravo APENAS no Brasil (o que afetou bastante a produção notadamente da Inglaterra e da França através de suas colônias nas Antilhas).

Por esta razão – sustentavam os escravagistas – se a Coroa quisesse abolir a escravidão deveria prover uma indenização para as perdas que certamente iriam ocorrer nas suas finanças.

Parte relevante do contingente dos militares que serviam à Coroa, comungava dos mesmos princípios que reclamavam a implantação da República e, assim, apoiavam as injunções dos escravocratas.

Também havia, por outro lado, muitos empresários, políticos, profissionais liberais, jornalistas e pessoas de diferentes atividades que eram contrários à manutenção do regime escravocrata.

Aliás, com o passar do tempo, já havia quem se utilizasse da mão de obra assalariada fornecida por imigrantes europeus que fugiam do desemprego estrutural e tecnológico que a Revolução Industrial causava na Europa, após 1.776. E que passava a “economizar” o uso intensivo da mão de obra livre ou escravizada, pelo uso crescente de maquinário para atividades de colheita beneficiamento, ou mesmo a transformação de produtos que passavam a ser parcial ou totalmente manufaturados nas economias europeias.

Essa divisão também se refletia no Poder Legislativo de então, em sua larga maioria contrário à abolição do serviço escravo, não obstante as críticas e restrições que o país enfrentava no exterior, notadamente por parte dos principais países compradores dos produtos exportados pelo Brasil, assim como dos maiores investidores diretos nos projetos de infraestrutura que se desenvolveram no país durante o II Império (a Inglaterra, notadamente).

Mas, a pergunta crucial, era o que fazer com o contingente que viria a ser libertado?

Se continuassem empregados, passariam a receber salários, como já durante 2 ou 3 séculos já acontecia com os escravos que foram sendo aos poucos libertados nas cidades centrais dos outros Estados Imperiais ou nas emergentes Repúblicas e, posteriormente, em quase todas as suas colônias e ex-colônias e outras formas de possessões ultramarinas, como já apontado.

Houve alguma preocupação neste sentido? Afora a preocupação com as perdas empresariais, com o comércio internacional, com o comprometimento da busca pela mudança de regime político, houve quem se preocupasse com as VÍTIMAS desse processo de subjugação e exploração?

Afinal, após 300 anos não eram poucos os próprios produtores, políticos, militares, escritores e jornalistas, enfim, parte não desprezível da população já era de descendente de escravos: miscigenados alguns, mestiços outros, e mesmo filhos ilegítimos que estavam em TODOS os lados e segmentos deste episódio tão marcante para a História de nosso país.

Sim! Houve sim!

A Princesa Isabel conseguiu formalizar junto a duas importantes figuras daquela época, — o Visconde de Mauá (Irineu Evangelista de Souza) e o Visconde de Santa Vitória (Manuel Afonso de Freitas Amorim) um importante compromisso.

Embora ambos tivessem sido sócios e ido à falência – mas – coisa rara até hoje — após terem quitado TODOS os seus credores no país e no exterior – resolveram DOAR quase 2/3 de toda a sua fortuna pessoal remanescente para criar o que hoje seria chamado de um FUNDO PATRIMONIAL para que se pudesse comprar terras para que o escravos libertos tivessem onde produzir para o seu sustento e para vender e comercializar, para que não ficassem na miséria e não sobrevivessem senão à margem da sociedade.

Isto mais de um anos depois da Abolição.

A Princesa também contava com o início dos trabalhos legislativos a partir de 20 de novembro de 1889 – na figura de Joaquim Nabuco, André Rebouças, José do Patrocínio e outros – para sancionar esse FUNDO DE DOAÇÃO com recursos de ORDEM PRIVADA, ou seja, sem depender do Tesouro Nacional ou da criação de novos impostos ou tributos mas, apenas, dos recursos pessoais da Coroa e dos recursos pessoais e privados como o dos Viscondes de Mauá e de Santa Vitoria.

Ela esperava vivamente que com a notícia da criação desse mecanismo, outros tantos simpatizantes da causa abolicionista pudessem se juntar aos esforços que ela engendrara.

O original desta Carta se encontra ainda hoje no Museu Imperial de Petrópolis.

Mas, como se percebe, o início previsto dos trabalhos legislativos nunca ocorreu : cinco dias antes, a 15 de novembro de 1.889, houve o golpe contra a Monarquia – dado pelos militares com o apoio dos que foram contrários à Abolição e dos que eram favoráveis ao advento do regime republicano: e a “profecia” do então Barão de Cotegipe no dia da assinatura da Lei Áurea se concretizou: a Princesa assinou a libertação dos escravos, mas a Monarquia, da mesma forma, foi abolida.

A Princesa que queria através da citada dotação, começar a integrar de modo efetivo os escravos libertos à sociedade nacional – as vítimas do regime escravagista – foi banida com a Família Real e proibida de voltar às terras brasileiras, o que só se deu após a sua morte e após a redenção de parte dos episódios que marcaram essa página da história do Brasil.

Também ficou para o futuro a luta que se queria empreender para o que também com atraso, ainda não havia no pais àquela época: o voto feminino: “se a mulher podia reger, também poderia votar”, como também ansiava a Princesa Isabel…