A aprovação dos novos marcos regulatórios do Saneamento Básico e das Ferrovias no ano passado, foi destacado pela imprensa e por analistas como um fato histórico auspicioso.

Primeiro, por significar que “após mais de 100 anos” o setor Privado voltava a investir na expansão da malha ferroviária que, apesar das dimensões continentais do país, responde por algo em torno de 20% do volume de cargas movimentada pela sua Matriz Intermodal de Transportes: de fato, de seis a oito empresas vão fazer um investimento “green field” – da primeira à última milha, isto é, dos projetos à compra e assentamento dos dormentes e trilhos, estações de transbordo de cargas, materiais e pessoas, compra de locomotivas e operação, manutenção e reinvestimento da malha, além da integração com a malha já existente.

Segundo porque, no caso do Saneamento Básico, o novo referencial permitirá que mais de 50% das cidades brasileiras tenha, por fim, acesso à produção de Águas e à coleta de Esgotos e Resíduos Sólidos, o que impacta diretamente a qualidade de vida, a saúde, o aprendizado e até a produtividade do trabalho a médio e longo prazos, já decorridos quase ¼ do Século XXI, que marca a passagem para a decantada Economia 4.0!

Para quem tem como Marco Temporal das Concessões a aprovação dos diplomas legais das Lei Geral das Concessões, a Lei 8.987 de 1995 e a legislação que incluiu as Concessões Administrativas e Patrocinadas, sob é égide das chamadas Parcerias Público Privadas (PPP), a Lei 11.079 de 2004, a introdução do “vetor temporal secular” causou certa admiração.

Na verdade, a expansão das Concessões de todo o tipo após os referidos diplomas legais, significou, em boa medida, a assunção de plantas de concessão já existentes na economia brasileira, assim como a realização de investimentos que poderíamos chamar de “brown field”, nas etapas de “última milha ou de milhas intermediárias” em ativos já existentes em vários segmentos da economia, como as rodovias, os ativos de geração-transmissão-distribuição de energia elétrica e do gás, as redes de Águas e Esgoto, as malhas de transporte urbano de massa (dos ônibus e dos trens urbanos, chegando às linhas dos metrôs), a transmissão de voz-dados e imagens das plantas de telecomunicações, os portos e as ferrovias e os investimentos na infraestrutura urbana e social (nas áreas de Saúde, Educação, Sistema Viário e, por extensão, também em parques e áreas urbanas ociosas, entre outros).

A maturação das concessões a partir desse período mais recente, entretanto, ainda se ressente de amadurecimento em alguns vetores como a bilhetagem de serviços em áreas como a energia ou Águas e Esgoto e Gás, que ainda se faz “door to door”, tal como se cobrassem pela venda de cosméticos ou utensílios de uso doméstico (quando e se é feita a devida “leitura presencial”); ou a forma estéril de financiar ativos, desconsiderando o valor intrínseco do “produtos ou serviços de concessão” (para uso individual ou empresarial), embora o BNDES em boa hora pareça estar mudando o cenário das grotescas garantias corporativas para financiar ciclos de produtos com alta essencialidade e retorno como são os produtos e serviços gerados sob a forma de concessão.

Porém, sob uma perspectiva temporal mais adequada, as atividades de Concessão explicam (sic) boa parte da formação econômica do Brasil (aliás, em termos funcionais, uma Concessão da Estado Nacional Português, enquanto colônia de Portugal).

Sob este enfoque, a Economia Política das Concessões, no presente, encontra-se no que se poderia chamar de 4º Ciclo das Concessões no Brasil:

Nos 50 anos do II Império, as Concessões de deram num momento em que a Economia Mundial passava para a sua Fase 2.0 (após a Revolução Industrial 1.0, acontecida a partir de 1776), com a introdução de inovações como o vapor, a energia elétrica, os Caminhos de Ferro, o telégrafo e o telefone e outras invenções e inovações que mudaram o perfil da produção, a renda e do emprego estrutural.

Atento às mudanças da época, o Imperador fomentou a atração de investimentos diretos estrangeiros – que se juntaram a capitais privados nacionais acumulados, seja pelo tráfico de escravos, pela renda do setor primário exportador formado nos ciclos coloniais (do açúcar, do algodão, do cacau, dos minérios e do ouro, entre outros), seja pelos capitais oriundos do Comércio Importador da época –, para financiar o 1º Ciclo de Concessões no país, que cobriu das Ferrovias aos Portos, passando pelas Comunicações (cabos submarinos com a Europa e EUA e telefonia), a Energia das Quedas D’água, transportes urbanos de massa (bondes), Navegação de Cabotagem e até a (hoje tão em moda) Iluminação Pública.

A característica maior, é que eram TODOS investimentos “green field”, da “1ª à última milha”, ou seja: nas ferrovias, do atração dos investimentos diretos à importação dos trilhos e do carvão até a importação das locomotivas, dos dormentes, a construção física das malhas ferroviárias, passando pela construção das Estações e da implantação das linhas. Na Iluminação Pública, da geração da energia primária (do gás de hidrogênio carbonado) através das construção dos Gasômetros que processavam o carvão importado, passando pelas fundição de tubos e luminárias até a última milha dos lampiões a gás.

No 2º Ciclo (nos 50 anos da República Velha até 1950), a crise financeira que começou em 1891 e foi o embrião da Crise de 29, além da eclosão de duas Guerras Mundiais, “fechou” a geração de riquezas dos produtores do agronegócio de então, a par dos seus efeitos sobre o Comércio Importador. E – com a monetização do trabalho até então escravo e o pagamento dos imigrantes que, desempregados pela Economia 2.0 viera, vieram a se empregar extensivamente nas produções de agro produtos de exportação, fez aparecer a erosão dos preços relativos (inflação) e defasou as tarifas públicas cobradas pelos concessionários das concessões de então. Revoltas como a dos carroceiros (em protesto ao avanço dos bondes) e sobre o preço dos transportes, posteriormente, levaram à decretação da caducidade de várias concessões.

Entre elas a de Esgotamento Sanitário (sim o Brasil do II Império foi o terceiro pais do mundo a ter um Projeto de Saneamento Básico ainda em 1863 via esgotamento sanitário (atrás apenas de Londres (UK) e Hamburgo, na Alemanha), através da “The Rio de Janeiro Improvement and Company”, ex-CEDAE, privatizada em 2021 e neste início de 2022), que no 2º Ciclo das Concessões foi estatizada pelo primeiro Governo Vargas.

Já no que poderíamos chamar de 3º Ciclo de Concessões (de 1950 até o ano 2000), com a Economia Mundial passando para sua fase 3.0, com a automação de produtos e processos de produção e de prestação de serviços, entre outras mudanças fundamentais na linha de frente e na retaguarda das atividades econômicas, veio um período impactado pelos efeitos da reconstrução mundial gerada pelo fim da 2ª Guerra, onde a ação de um Estado indutor de progresso e desenvolvimento ocupou as ações de vários governos. E, em países como o Brasil redundou num papel onde via crédito e finanças públicas ou via a intervenção direta de empresas estatais se produziriam os produtos, insumos e serviços necessários para consolidar o papel dos agentes privados nacionais e estrangeiros na oferta de bens e produtos industriais, importantes para a geração de produtos, renda, emprego e arrecadação para manutenção de empresas públicas (sob a doutrina do chamado Tripé Econômico entre empresas Estatais, Privadas Nacionais e Privadas Estrangeiras para a consolidação de uma economia resistentes até às oscilações cíclicas da encomia externa, (na época fraturada pela alta do petróleo e das taxas de juros internacionais, até do Banco Mundial e do FMI).

Assim como correu na passagem do 1º para o 2º Ciclos, os impactos externos causaram a defasagem tarifária que, mais uma vez, erodiu e defasou o preço de investir, operar, manter e reinvestir nas economias concessionadas. E o resultado, como corolário de um profundo ajuste do Setor Público no início do ano 2000 (no 4º e atual Ciclo de Concessões, com a Economia Mundial em nova fase de mudanças, agora em sua Versão 4.0), abriu uma nova fase de expectativas quanto ao futuro das economias concessionadas.

Sim: o PREÇO foi sempre o vilão das crises da economia e da atividade concessionada até aqui.

Hoje, como dito de início, há a convergência da necessidade de investimentos “green field” da primeira à ultima milha (como no caso dos investimentos em ferrovias e no saneamento básico e vários outros) e na modernização e adequação de investimentos concessionados assumidos na fase de transição entre o 3º e o 4º Ciclos de Concessões (em áreas como bilhetagem e estrutura de capitais e investimentos), num momento de agrura fiscal crônica causada pela pandemia (mundial) e pela falta de perspectivas e de planejamento da saída (nacional) onde uma REFORMA TRIBUTÁRIA continua a ser a maior necessidade – a rigor, desde o 2º Ciclo de Concessões, pelo menos.

Mais uma vez as Concessões terão por certo um papel inarredável neste contexto: resta saber se haverá serenidade e visão prospectiva para permitir a retomada do crescimento e da urgente redução das desigualdades que atrasam e constrangem o desenvolvimento do país.